Sentimentos reprimidos tendem a reaparecer, disfarçados e deslocados,
tanto nos sonhos quanto no cotidiano. “O inconsciente é por definição
incognocível. O psicanalista está, portanto, na posição infeliz de um estudioso
daquilo que não se pode conhecer”, escreveu Thomas Ogden, em The primitive edge
of experience, de 1989. Na verdade, podemos pensar o inconsciente sob duas
ópticas. Como adjetivo, é possível associá-lo ao que escapa à consciência, sem
estabelecer discriminação entre conteúdos dos sistemas pré-consciente e
inconsciente. Para melhor compreender, vale observar aqui que a concepção de
consciência parece semelhante à de atenção: estamos conscientes daquilo para o
que nos voltamos e inconscientes daquilo com que não nos ocupamos. Poderíamos,
segundo essa lógica, estar conscientes de situações e fenômenos para os quais
voltássemos nossa atenção – entraríamos então no que Freud chamou de
pré-consciente. Aquilo para que evitamos dar atenção por acharmos que podem
deflagrar perturbação e dor está no inconsciente reprimido. É possível, nesse
caso, falar do inconsciente como substantivo, no sentido tópico. Trata-se,
assim, de uma instância psíquica, faz parte da primeira teoria do aparelho
psíquico desenvolvida por Freud, constituído de material recalcado, não diretamente
acessível à consciência.
A consciência pode ser comparada com o que está visível na tela do
computador. Temos acesso imediato a outras informações “pulando” para outra
parte do documento ou mudando de janela. Esse gesto seria análogo às partes
consciente e pré-consciente da mente. Mas pode ser mais difícil acessar outros
conteúdos, pois podem estar criptografados ou atachados, podem exigir senha ou
ainda ter sido corrompidos, de modo que a informação esteja embaralhada e,
portanto, incompreensível.
A ideia de que guardamos motivações sobre as quais não temos controle
(e, por vezes, nem mesmo, ciência) traz à tona a hipótese que oferece
consistência a comportamentos e vivências que, de outra forma, pareceriam
completamente incoerentes. Freud se deu conta de que lapsos verbais e de escrita, falhas da memória, ações confusas e
outros equívocos podem ser, em um nível mais profundo, não casuais – mas
inconscientemente intencionais. Para ele, os sonhos constituem um caminho
privilegiado para o inconsciente, embora não seja possível desvendá-los
completamente.
Da mesma forma que os sonhos, outras formas de comunicação podem
apresentar representações de desejos e observações inconscientes que empregam
os mesmos mecanismos oníricos. Os significados inconscientes são codificados,
revestidos de metáforas e imagens. Um exemplo muito comum disso se dá em
situações em que sentimos raiva, mas reprimimos essa emoção por sabermos que
desencadeará sentimentos dolorosos e em especial quando é dirigida a alguém com
quem temos relação mais próxima. Assim, os sentimentos reprimidos são
disfarçados e deslocados – e aparecem, por exemplo, quando criticamos outra
pessoa.
É possível pensar na seguinte situação: a orientadora de pesquisa de
uma jovem avisa que vai ausentar-se do país durante um período crítico do
trabalho. A estudante pode até compreender, de forma sincera, as razões da
orientadora. Mas, prosseguindo a conversa, ela fala de um caso que ouvira: uma
mãe havia deixado o filho pequeno sozinho em casa para fazer compras, a criança
acordou e terminou se ferindo ao cair da escada. A mensagem inconsciente é
clara: a orientadora é tida como a mãe negligente, a aluna é o filho
desprotegido. A queda faz alusão ao risco que ela julga correr.
Conscientemente, a garota fala como adulta, mas inconscientemente se ressente
com a orientadora que não cumpre a função de mãe.
Cabe considerar que a consciência tem gradações. Vivências infantis
que evocaram grande vergonha ou culpa podem ficar tão abafadas que se torna
muito difícil resgatálas, sendo possível ter apenas indícios desse material. Já
uma introspecção momentânea, aliada a alguma capacidade psicológica de tolerar
o desconforto de lidar com algum conteúdo que estava inconsciente e pode levar
o desejo que parecia escondido ao pleno conhecimento. Do mesmo modo, no
decorrer de uma terapia psicanalítica na qual o paciente é encorajado a falar e
pensar com maior liberdade para estabelecer associações, seus anseios e temores
tendem a se aproximar, gradualmente, da consciência.
Fonte: Scientific American.
Nenhum comentário:
Postar um comentário