Quantas vezes você pensou em alguém e, no momento seguinte, atendeu um telefonema dessa pessoa? Ou recebeu a visita de um familiar querido e distante, depois de desejar notícias dele? Com a mineira Iraci de Jesus, fenômenos desse tipo não são novidade. Há algum tempo, ela atendeu a porta e deu de cara com o irmão que, numa passagem relâmpago por São Paulo, resolveu deixar-lhe um cheque. Algumas horas antes, preocupada em fazer um pagamento, Iraci tinha pensado nele como única alternativa para conseguir o dinheiro. Desejara demais dizer isso a ele, mas não se sentira à vontade para fazer o pedido. A terapeuta corporal Sandra Fainbaum também tem uma coleção de casos semelhantes. Um deles: anos atrás, não resistiu à sensação de estar sendo chamada pelo marido. Preocupada, saiu de casa e começou a andar pela calçada, atenta aos carros que passavam. Já estava na terceira quadra quando avistou o carro dele, parando no meio da rua. Sandra percebeu que o marido desmaiara sobre o volante e conseguiu socorrê-lo rapidamente.
Relatos desse tipo são impressionantes, mas não provam nada. Não há como descartar a possibilidade de que tudo não passe de coincidência. Afinal, para cada história arrepiante como essas, quantas não devem haver de pessoas que tiveram um pressentimento e aquilo não deu em nada? O único jeito de comprovar a existência da telepatia seria ter resultados estatisticamente significantes de que esses fenômenos acontecem com mais frequência do que seria normal um fato qualquer acontecer. E esses resultados ainda não existem – pelo menos não com a clareza suficiente para afastar dúvidas.
Telepatia é o termo usado para se referir à aquisição de informações por outros meios que não os sentidos físicos conhecidos. A resistência em procurar entender tais acontecimentos ou acreditar neles é grande, mas fácil de ser compreendida. “Entrar em contato com os pensamentos, sentimentos e ideias de outras pessoas de maneira aparentemente direta, mente–mente, sem necessidade que tais informações passem pelos sentidos, é considerado algo fora do normal, por se tratar de um tipo de interação diferente da forma prevista pela ciência”, diz Wellington Zangari, coordenador do Inter Psi (Grupo de Estudos de Semiótica, Interconectividade e Consciência), da PUC de São Paulo.
E, como tudo o que é fora do normal caminha lado a lado com o ceticismo, parece não ter mesmo jeito: “Se você acredita, poderá ser associado ao charlatanismo, misticismo, ou ser visto como alguém facilmente influenciável. Se não, será suspeito de cientificismo ateu, de não possuir nenhuma abertura, nenhuma curiosidade científica”, diz Jean Claude Obry, pesquisador e filósofo francês que mora no Brasil há cerca de 20 anos. Ele é presidente da beOne Internacional Associação (BIA), que promove a qualidade de vida por meio da experimentação das sensações (os cinco sentidos). Segundo Obry, se os assuntos considerados fora da normalidade pudessem se encaixar na realidade cotidiana, eles não pareceriam tão assustadores.
Pode-se entender por telepatia várias formas de comunicação, da linguagem não-verbal, não-simbólica, não-escrita e não-fonética dos animais à realizada com o telefone celular. Ou alguém duvida que essa comunicação a distância, sem fio, não seria considerada algo fora do normal pelos nossos ancestrais? “Os jovens de hoje não estranham a tecnologia com a qual convivem desde pequenos, mas continuam fascinados pelos mistérios de histórias fora do normal de um Harry Potter, porque, para ele telefonar para alguém com segurança, nem precisa de um celular, basta a sua operadora celeste”, lembra Obry.
Ondas mentais
De acordo com Zangari, do Inter Psi, apesar de não haver consenso sobre a melhor teoria para explicar a telepatia, a parapsicologia vem apresentado interpretações interessantes. “Nas primeiras décadas de estudo, procurou-se compreender a telepatia como um fenômeno eletromagnético, que funcionaria da mesma forma que os aparelhos de rádio e televisão. Supunha-se que, entre o receptor e o emissor, haveria ‘ondas mentais’, que transportariam informações do conteúdo cerebral entre eles. No entanto, as teorias baseadas nesse modelo caíram por terra porque, aparentemente, a telepatia não é limitada pela distância nem pelas barreiras físicas, como o são as ondas eletromagnéticas conhecidas.
As pesquisas sobre a possibilidade da existência da telepatia se tornaram sistemáticas a partir da década de 30, com a criação do Instituto de Parapsicologia na Universidde Duke, nos Estados Unidos, dirigido pelo Joseph Banks Rhine. “Rhine e sua equipe realizaram provas experimentais para verificar se, de fato, a telepatia, entre outros fenômenos anômalos, ocorria”, conta Zangari. Com um baralho especialmente criado para essa finalidade – o Baralho ESP (de extrasensory perception) ou Baralho Zener, constituído de 25 cartas, igualmente divididas em círculos, cruzes, ondas, quadrados e estrelas –, ele avaliou estatisticamente a ocorrência. “Ao longo de quase cinco décadas, Rhine e seus colaboradores obtiveram resultados significativos a favor da hipótese da telepatia”, afirma Zangari.
Depois disso, pesquisadores do mundo inteiro fizeram outros estudos e muitos chegaram a resultados similares, mesmo com técnicas diferentes das usadas no laboratório de parapsicologia da Universidade Duke. Acontece que os céticos descartam essas pesquisas, que eles consideram suspeitas. Um dos modelos atualmente em construção é o desenvolvido pelo psicólogo americano Rex Stanford, o Modelo de Resposta Instrumental Mediada por Psi, conhecido pela sigla em inglês, PMIR. Propõe, em linhas gerais, que o ser humano utiliza não apenas os sentidos conhecidos (tato, visão…) para estabelecer contato com o meio, mas também processos não-sensoriais, ou extra-sensoriais, para reconhecer tanto os perigos quanto as fontes de satisfação de necessidades básicas. “O modelo de Stanford é importante para a ciência, porque permite a avaliação empírica de seus postulados, além de integrar tanto perspectivas da biologia quanto da psicologia”, diz Zangari.
Até agora, a técnica mais sofisticada criada para estudar cientificamente a hipótese da telepatia se chama Ganzfeld. O experimento utiliza um emissor e um receptor. O primeiro vê uma imagem ou videoclipe, escolhido aleatoriamente por um computador, e tenta “transmiti-lo” mentalmente a um receptor, que está afastado sensorialmente do emissor. O receptor fica numa sala acústica e eletromagneticamente isolada e tem sobre os olhos uma espécie de óculos, sobre os quais uma luz colorida fornece um campo sensorial homogêneo. Seus ouvidos são bombardeados por um sinal sonoro constante, como o de um rádio fora da estação. Procura-se, assim, criar uma situação em que a pessoa possa reconhecer mais facilmente suas imagens mentais, suas sensações, seus sentimentos, uma vez que está praticamente isolada dos estímulos externos e mais atenta aos estímulos internos.
Segundo Zangari, os resultados mais sólidos obtidos pelas pesquisas Ganzfeld se relacionam à existência de correlações entre algumas variáveis. Resumidamente, os resultados são melhores quando: 1) emissor e receptor são pessoas afetivamente próximas, como amigos, pais e filhos ou marido e mulher; 2) o receptor tem personalidade extrovertida; 3) antes de participar do experimento, o receptor teve um histórico de experiências anômalas espontâneas; 4) o receptor já realiza algum tipo de atividade de “treinamento mental”, como meditação ou relaxamento; 5) o receptor acredita em fenômenos como a percepção extra-sensorial; e 6) o campo geomagnético está menos ativo.
Segundo Zangari, há muito o que esclarecer ainda sobre os experimentos Ganzfeld. “Apesar de reconhecermos algumas variáveis que parecem interferir no fenômeno, não conhecemos todas, o que ainda não nos permite controlar o fenômeno de modo a realizá-lo de acordo com nossa vontade”, diz.
Um tanto quanto cética com relação ao seu desempenho num experimento desse tipo, a professora Fátima Regina Cardoso, que dirige com Zangari o Inter Psi, decidiu participar de uma sessão de Ganzfeld. O resultado, diz ela, foi “muito bom e surpreendente”. Fátima ficou na posição de receptora da mensagem, enquanto um colega brasileiro foi o emissor. Durante o período de mentalização, entre outras imagens, ela visualizou um castelo medieval, em especial as masmorras. Teve sensações desagradáveis, como se estivesse vendo pessoas sofrendo. Ao final do experimento, acertou o alvo transmitido pelo colega. O clipe que serviu como alvo mostrava sombras de pessoas vestidas com roupas medievais, um homem com capa e espada e um chicote na mão, ameaçando outros que trabalhavam com martelos e outras ferramentas, com um fundo em cores bem quentes. Apesar de a imagem do alvo ter sido diferente da mentalizada por Fátima, ela não teve dúvida de que aquele seria o alvo, pois a sensação transmitida pelo clipe era muito próxima daquela sentida durante a mentalização.
As pesquisas Ganzfeld foram iniciadas na década de 1970 e, até o momento, segundo alguns, tiveram êxito em demonstrar, pelo menos, a possibilidade de existência da telepatia. No entanto, como não poderia deixar de ser, crentes e céticos divergem a respeito da consistência desses resultados. “Minha opinião é que mais pesquisas são necessárias para acabar com a polêmica em torno da existência da telepatia, mas os resultados acumulados por meio de estudos experimentais são favoráveis à hipótese de existência de um processo anômalo de interação entre os seres humanos”, diz Zangari.
Troca de energia
Para a escritora Halu Gamashi, a comunicação telepática envolve também os órgãos dos sentidos. A escritora, que se dedica à filosofia e à ciência dos ancestrais, acredita que existam muitas formas de comunicação telepática, envolvendo inclusive os órgãos dos sentidos. Para ela, a telepatia se constitui entre duas pessoas extra-sensorialmente sensíveis que aprendem a identificar uma informação por meio de um trejeito facial, um movimento dos olhos, um gesto. “Eu sei o que você está pensando”, dizem-se mutuamente. No entanto, por ser um acontecimento comum, as pessoas nem se dão conta de que houve uma comunicação telepática.
Telepatia hi tech
Fraude ou anomalia. Para os céticos, todos os supostos casos de telepatia acabam caindo em uma dessas categorias. E os estudos do cérebro até agora não corroboraram qualquer expectativa de que seja possível projetar os nossos próprios pensamentos na mente de outros ou captar o que está na cabeça alheia - definição clássica de telepatia. Pelo menos, não sem uma ajudinha substancial da tecnologia.
É a chamada "teclepatia", como costuma ser definida por seus entusiastas. Estudos sérios têm mostrado o potencial dessa ideia. As pesquisas conduzidas pelo grupo do brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), mostram que dá para usar computadores para "decodificar" sinais cerebrais que indiquem movimento, fazendo com que macacos consigam movimentar braços robóticos com o cérebro como se fossem parte de seu corpo.
E um dos resultados mais impressionantes foi capa do periódico científico Neuron, no fim do ano passado. Um grupo de pesquisadores japoneses usou imagens de ressonância magnética para, com base nelas, reconstruir com impressionante precisão imagens que estavam sendo vistas naquele momento por voluntários humanos. Já neste ano, pesquisadores da Universidade Vanderbilt, nos EUA, conseguiram ir além dos japoneses. Eles acharam uma maneira de ler uma imagem que uma pessoa havia visto, mas não estava mais observando no momento da leitura, por ressonância magnética. Em suma: a técnica permitiu identificar de que imagem a pessoa estava se lembrando naquele momento - com 80% de precisão (muito melhor do que qualquer experimento de telepatia de supostos paranormais).
Memória decodificada
E os pesquisadores esperam melhorar ainda mais seus resultados. "Podemos coletar mais dados de imagens cerebrais, desenvolver métodos melhores para obtenção de imagens de alta resolução e tentar decodificar memórias de imagens muito diferentes entre si", afirma Frank Tong, um dos autores do estudo americano. Ainda assim, ele destaca que uma leitura completa do que se passa na mente ainda está bem longe de acontecer. As imagens que detectaram estavam no córtex visual (região cerebral ligada à percepção consciente da visão), mas lembranças de eventos antigos, por exemplo, estariam codificadas de forma diferente no cérebro e não poderiam ser acessadas com a mesma facilidade de outras.
A "teclepatia" está num começo auspicioso, mas ainda é um caminho incerto e que talvez chegue apenas a um beco sem saída - assim como aconteceu com a ideia tradicional de telepatia "mística".
Fonte: Superinteressante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário