Um jornalista aplicou em sua vida a teoria da honestidade radical. “Afastei-me
dos amigos e perdi a vontade de conversar. Simples. Tudo isso porque somos
dependentes da mentira”.
Abaixo, segue a matéria do jornalista.
Petulância sincera
Em seu livro de maior sucesso, Radical Honesty (sem edição em
português), Brad Blanton explica por que mentimos tanto. Fomos educados assim.
Desde a infância aprendemos a interpretar papéis no cotidiano. Mentimos para
ser aceitos na turma do futebol, para a professora gostar de nós, para chamar a
atenção da menina mais bonita da escola, para conseguir emprego. Interpretamos
papéis autoimpostos - e lutamos para mantê-los verossímeis. Quando eu queria um
brinquedo mais caro no Natal, puxava papo com minha avó, ouvia-a falar mal do
Collor, concordava com tudo mesmo sem entender e buscava mudar o assunto para
dizer como gostaria de ganhar aquela pista incrível de carrinhos. Bem, posso
dizer que é "o meu jeitinho". A vida é assim, certo? Mas jeitinho é
mentira. E mentira é a maior fonte de estresse e infelicidade do mundo, segundo
Blanton. Ele diz que se todos parassem de usar tantas máscaras as pessoas
teriam mais tempo e vigor para se dedicar a relações honestas. Vivemos o tempo
todo a imagem que queremos ter de nós mesmos e que os outros tenham de nós. Uma
pesquisa realizada nos Estados Unidos diz que 93% dos americanos assumiram que
mentem regularmente. Estamos acostumados a agir assim porque é mais
confortável. E vamos levando.
Percebi a facilidade com que mentia no terceiro dia. Um clássico:
aumentar um conto. Em uma conversa sobre música, exagerei ao falar "que
conheci o movimento punk da Lombardia". Que bobagem. Não conheci nada, só
ouvi um CD largado na casa de um primo nos arredores de Milão. Nem sequer me
dei ao trabalho de checar se o som era mesmo da Lombardia. A primeira máscara a
cair seria a da insegurança cultural. As pessoas engoliam meu personagem
antenado e eclético. E eu sentia necessidade de manter isso, para mim e para
elas, o que produz muitas mentiras como efeito colateral. "Quando você
assume que representa, você assume sua ignorância", explica Blanton. Ao
assumir, fiquei inseguro por sujar minha pose ("Como assim você ainda não
ouviu essa música!?"). Mas senti alívio. Parei de fazer esse papel e
passei a dizer: "Não faço ideia do que você está falando. Conta
mais". Em um almoço com a redação, demonstrei minha curiosidade ao aprender,
por exemplo, que a suposta tartaruga que ajudou Charles Darwin a criar a teoria
da evolução morreu em 2006. Antes, me sentiria mal em reconhecer que não sabia.
Fingiria que conheço o assunto e acenaria com um vago "pode crer",
enquanto caramujos, joaninhas ou huskies siberianos passeavam no pensamento, lá
longe. O problema é que expressões assim não são saudáveis. O "pode
crer" é o açúcar refinado da roda social. Adoça, mas em excesso faz mal.
O bem-estar me conduziu à prepotência. Afinal, eu estava me despindo
de fantasias mentirosas que usava desde sempre. Eu falo a verdade, os outros
mentem. Logo, sou superior. É o nível 1 da honestidade radical: revelar fatos
sobre você. A súbita sensação de prazer deu um verniz de legitimidade a
explosões grosseiras. "Você é pago para escrever qualquer lixo que sai da
cabeça sem ninguém para questionar", disse a um amigo temporariamente
insatisfeito no emprego. "Não vou divulgar a pesquisa, isso é um
porre", a uma prima que pediu ajuda para colher respostas para um trabalho
de faculdade. "Se você tirar o quebra-mato, seu carro ficará muito
efeminado", a um editor desta revista. Cheguei a xingar uma colega em um
dia de estresse. Estaria perdoado pela sinceridade. Mas não é assim. Extravasar
raiva é um exercício que precisa ser usado a seu favor (veja mais nos boxes).
Falar o que vem à cabeça não faz de mim uma pessoa necessariamente honesta. O
caminho é outro.
Discutindo a relação
"Você só quer me pegar?", perguntou uma garota no bar, na
lata. "Sim", respondi. "E só quer isso de mim?", insistiu.
"Não. Às vezes tenho vontade de conversar." Achei que levaria um tapa
(que foi o que aconteceu quando uma amiga perguntou o que eu tinha achado do
seu corte novo de cabelo e respondi sem piscar "Está pronta para o
abate"), mas não. Ela queria que fosse algo com sentimento. Fui sincero.
Então não houve nada. Mas não dá para ser direto e honesto assim sempre na hora
de paquerar. Uma pesquisa com universitários americanos diz que 34% dos homens
admitiram mentir para ficar com alguém. E 11% das mulheres mentem sobre peso em
sites de relacionamento, segundo a empresa de segurança online Symantec.
Blanton defende que a honestidade é o caminho da felicidade em qualquer tipo de
relacionamento. Então vamos lá. Outra garota perguntou, no 10º dia, o que eu
faria no feriado. "Nada." "Que coincidência, eu também."
Perguntei se era uma indireta para chamá-la para sair. "Não, sou eu te
chamando para sair, se estiver afim." Fiquei impaciente e expliquei que a
grafia certa é "a fim". "Obrigada, editor." A conversa acabou.
Ela não me procurou mais.
Na 4ª semana, a superioridade virou uma sensação de estar se despindo
em público. Incômodo, mas com certa dose de liberdade. Bastava não explodir
tanto, apenas falar o que sentia e convidar as pessoas a compartilhar a sinceridade.
Dói? Muitas vezes. É claro que falar "Olha, achava que tínhamos futuro,
mas não vejo nada mais do que diversão em você, ainda gosto de outra" pode
ser um caroço de azeitona na garganta. É muito mais fácil desconversar até que
a pessoa desista. Aliás, "não há nada de errado, estou bem" é a
mentira mais contada por mulheres e a segunda mais usada por homens, segundo o
Museu de Ciência de Londres. Quem nunca?
Eu estava chegando ao nível 2 da honestidade radical: ser sincero com
os sentimentos. Mas para isso precisava de mais dedicação das pessoas à volta.
Quando a sinceridade está em via de mão única, é difícil. No 14º dia, em um
bar, disse a uma menina frases do tipo: "Você tem uma desagradável
necessidade de ser descolada" e "Para que escrever um livro de boatos
sobre os outros, procure algo mais digno na vida". A única reação que tive
como resposta foi um clima pesado na mesa e um olhar de pouco caso dela. Mas,
no 22º dia, retomamos a conversa. Ela saiu da defensiva e tivemos um papo
sincero pela primeira vez desde que a conheci. Mas foi só naquela noite. O
casaco de couro, o batom vermelho e a pose blasé voltaram no dia seguinte. Pelo
menos em público.
Ao dizer somente a verdade, você se abraça a ela porque é o que tem a
oferecer. No 8º dia, antes da despedida da banda de uns amigos, um deles me
perguntou sobre seu futuro musical.
Ele estava emotivo, claro. E eu não podia mentir. Demorei alguns
instantes para falar o que sentia: "Você precisa se dedicar mais a se
divertir do que a tentar fazer sucesso. Não deposite nos outros colegas de
música sua grande vontade de ser famoso". Eu me senti um idiota. Poderia
ter dado rodeios e amaciado, falado algo que ele quisesse ouvir. Era o último
show, caramba! Mas esse era o eu desprotegido falando, sentindo falta da manta
quente da mentira. Fiquei tão perdido nesses pensamentos que quase não vi a
reação dele: "Sim, você está certo". Sinceridade às vezes dói mais na
gente. E por causa disso podemos deixar de falar a verdade a quem mais importa.
Solidão antissocial
A reta final foi um caminho mais sofrido. Não aguentava mais me testar
e ser testado a todo momento. Não queria mais pedir que as pessoas repetissem o
que estavam falando porque eu não estava prestando atenção. Não aguentava mais
ser encostado na parede. Nove anos de histórias, brigas e paixões não
correspondidas vieram à tona. A maioria das conversas, reconheço, foi boa. Tive
reveladoras discussões com amigos de trabalho, faculdade e escola, colegas,
chefe, chefe do chefe, garçom do bar preferido, dono do bar preferido. Mas
cansa. Demais. Só não discuti a relação com ex-namorada.
Contabilizei 8 pequenas mentiras no período. Coisas irrisórias que
passariam despercebidas normalmente, como "Não tenho dinheiro" para o
vendedor ambulante da rua, quando na verdade eu tinha. Tinha a sensação que
perdi a necessidade de mentir à toa. Mesmo que me achasse um pouco antissocial.
Os melhores amigos se afastaram por um tempo. Com um deles cortei a relação de
vez ao dizer à sua namorada que a turma inteira estava melhor longe dele.
Passei a sair menos.
Não tinha mais vontade de conversar. Somente com quem se dispusesse a
tentar ser sincero de verdade comigo. O que foi ótimo. Renovei amizades. No
saldo geral, apesar de tudo, ouvi mais elogios que críticas à minha conduta.
Mesmo cansado, estava indo bem, já que Blanton havia alertado que o processo é
lento. Pena que ele não pôde acompanhar o final da vivência, pois nossa troca
de mensagens foi interrompida quando ele foi supostamente preso durante os
protestos do movimento Ocupe Wall Street, nos EUA. Tudo bem. Já estava bem
menos apegado às mentiras fúteis que teimamos em incorporar no nosso cotidiano.
Valorizava mais o que importava. "Acho que agora acertei", disse
minha mãe ao voltar à cozinha e preparar um macarrão. "Está ótimo",
respondi. Sincero.
RAIVA AMIGA
Como ser feliz em um relacionamento, segundo a honestidade radical
Engolir a raiva de amigo, marido ou colega, sem expressar o que se
sente de verdade, é fonte de comportamentos ruins, como fofoca e vingança. Para
evitá-los, é preciso expressar a raiva sempre, sem medir palavras. Brad Blanton
explica que essa é a chave para um relacionamento maduro e sincero. Mas é
preciso seguir regras. Veja na página seguinte.
Aprenda a lidar com sua raiva
Segundo a honestidade radical, sucessivos ataques de raiva controlada
não levam ao desgaste da relação. As explosões é que enfraquecem, virando
pequenos estalos indolores no dia a dia.
Veja como proceder:
1. Diga olho no olho o que exatamente o deixou com raiva ou o magoou.
Não vale dizer "Você sempre faz isso, seu egoísta". Diga "Eu te
odeio porque você foi egoísta ao criar caso por eu sair sozinha com as minhas
amigas".
2. Preste atenção em como seu corpo reage ao expressar a raiva.
Chorar, gritar, tremer. Perceba como essas sensações oscilam à medida que você
fala.
3. Só pare de falar quando se sentir bem o suficiente para começar a
dizer por que você gosta da pessoa. E o processo deve ser sempre recíproco.
Escute e aguente a raiva dela.
Jornalista: Felipe Van Deursen.
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