Praticamente todo mundo já sofreu de coração partido alguma vez na
vida, não? Parte de viver incluir lidar com rejeição, traição, solidão e outros
sentimentos tão terríveis que parece doerem como doenças físicas.
E doem mesmo. Pesquisas recentes mostram que a dor da rejeição dispara
os mesmos neurônios no cérebro que a dor de uma queimadura ou contusão. Além de
explicar por que algumas pessoas têm a pele mais espessa que outras, este fato
revela uma ligação íntima entre a vida social e a saúde, que cada vez mais
estudos dizem ser intrincadas.
Dor física = dor emocional
Estudos com animais nos anos 1990 já haviam mostrado que a morfina não
apenas aliviava dores de lesões, mas também podia reduzir a dor de filhotes
separados de sua mãe.
Mais tarde, no início de 2000, Naomi Eisenberger, da Universidade da
Califórnia em Los Angeles (EUA), começou a estudar sentimentos que causam dor
em humanos.
Para descobrir o que ocorre no cérebro quando as pessoas sentem
rejeição social, Eisenberger pediu a voluntários que jogassem um jogo de
computador simples chamado Cyberball, em que três jogadores passavam a bola
entre si. Cada voluntário foi levado a acreditar que estava jogando com duas
pessoas que estavam em outro quarto, mas na verdade esses companheiros eram
controlados por computador.
Embora começassem amigáveis, os jogadores informatizados logo paravam
de passar a bola para o voluntário. Pode parecer um insulto insignificante, mas
alguns indivíduos responderam fortemente a essa rejeição, por exemplo, fazendo
gestos grosseiros para a tela.
Um scanner de ressonância magnética funcional gravou a atividade
cerebral dos voluntários, revelando um aumento no córtex cingulado anterior
dorsal (DACC, na sigla em inglês) quando eles começaram a se sentir isolados.
Esta região é conhecida por ser uma parte importante da “rede da dor” do
cérebro.
Fundamentalmente, quanto mais angustiante é uma lesão, mais o DACC é
ativado, fato que também aconteceu durante os jogos de Cyberball: aqueles que
relataram se sentir pior depois da rejeição mostraram a maior atividade na
região.
Outros estudos confirmaram a ligação, e acrescentaram que a ínsula
anterior, uma outra parte da rede de dor que responde a nossa angústia quando
cortamos um dedo, por exemplo, também se ativa em casos de dores “emocionais”.
Como sentimentos viram dor real
Apesar de todos esses resultados sugerirem que a nossa angústia após
um insulto é a mesma que a nossa resposta emocional a uma lesão, só ano passado
estudos mostraram como esses sentimentos podem transbordar em sensações
corporais.
Ethan Kross, da Universidade de Michigan em Ann Arbor (EUA), estudou
uma forma mais grave de rejeição do que não receber uma bola: um coração
partido. Ele recrutou 40 pessoas que haviam passado por um término de romance
nos últimos seis meses e pediu-lhes para ver uma foto de seu ex enquanto
passavam por um scanner de ressonância magnética.
Kross também os instruiu a pensar em detalhes sobre o rompimento.
Depois de um breve intervalo, os voluntários receberam um choque doloroso de
calor em seus antebraços, o que permitiu que o cientista comparasse a atividade
cerebral associada com as duas situações.
Como esperado, o DACC e a ínsula anterior se ativaram em ambos os
casos. Mas, surpreendentemente, os centros sensoriais do cérebro, que refletem
o desconforto físico que acompanha uma ferida, também mostraram atividade
acentuada. Essa foi a primeira evidência de que o sentimento de desgosto pode
literalmente doer.
Por fim, outras pesquisas descobriram que a dor física e a angústia
emocional podem, por vezes, alimentar uma à outra.
Quando as pessoas se sentem excluídas, ficam mais sensíveis a se
queimarem, por exemplo, bem como submergir a mão em água gelada por um minuto
leva as pessoas a se sentirem ignoradas e isoladas posteriormente.
O inverso também é verdadeiro: um calmante pode aliviar a resposta
corporal à dor de um insulto. Nathan DeWall, da Universidade de Kentucky em
Lexington (EUA), recrutou 62 alunos para um estudo, sendo que metade foi dosada
com até dois comprimidos de paracetamol (analgésico) todos os dias durante três
semanas, e a outra metade recebeu apenas placebo.
Cada noite, os alunos responderam a um questionário medindo seus
sentimentos de rejeição durante o dia. Ao final de três semanas, o grupo do
paracetamol tinha desenvolvido pele significativamente mais espessa, sendo que
também relataram menos sentimentos de rejeição durante seu dia-a-dia.
Um jogo de Cyberball subsequente confirmou o efeito: aqueles dosados
com paracetamol mostraram significativamente menos atividade no DACC e na
ínsula anterior em comparação com os que tomaram apenas placebo.
Os pesquisadores alertam, no entanto, que, devido aos efeitos
secundários nocivos de drogas analgésicas, você não deve tomá-las sem
prescrição médica.
Mais ou menos rejeitada
As descobertas recentes podem explicar por que algumas pessoas têm
mais dificuldade de resistir a percalços em sua vida social do que outras.
Pessoas extrovertidas demonstram ter uma maior tolerância à dor do que
as introvertidas, e isso é refletido em uma maior tolerância a rejeição social.
Eisenberger também descobriu que as pessoas que sentem mais dor física
(por exemplo, quando um eletrodo quente toca seu braço) também são mais
sensíveis aos sentimentos de rejeição (durante Cyberball, por exemplo).
Essas reações podem ser parcialmente genéticas. Eisenberger mostrou
que as pessoas com uma pequena mutação no gene OPRM1, que codifica um dos
receptores opioides do corpo, são mais propensas a ter sentimentos de depressão
após a rejeição do que as sem a mutação. Essa mesma mutação também torna as
pessoas mais sensíveis à dor física – elas geralmente precisam de mais morfina
depois de uma cirurgia, por exemplo.
É importante notar que estes receptores são particularmente densos no
DACC. Como você poderia esperar, em pessoas com a mutação, o DACC tende a
reagir mais fortemente aos insultos percebidos.
O primeiro ambiente de uma criança também pode determinar a sua
sensibilidade a dor. Por exemplo, pessoas com alguns tipos de dor crônica são
mais propensas a ter tido experiências traumáticas na infância, como abuso
emocional.
Os adolescentes também parecem particularmente sensíveis à rejeição. A
rede de dor do cérebro está ainda em desenvolvimento nessa fase da vida, e, em
comparação com o cérebro adulto, tende a mostrar uma resposta mais exagerada a
pequenos insultos.
No lado positivo, o apoio social durante este período pode levar a
benefícios duradouros. Por exemplo, jovens adultos com boas redes sociais no final
da adolescência apresentam reações mais suaves para a rejeição do que os que se
sentiam solitários no passado, talvez porque a memória de aceitação
subconscientemente acalme seus sentimentos.
Histórica rejeição
Quando você considera a dependência dos nossos antepassados de suas
conexões sociais para a sobrevivência, faz sentido que tenhamos evoluído para
sentir a rejeição tão intensamente.
Ser expulso de uma tribo no passado teria sido semelhante a uma
sentença de morte, expondo nossos predecessores à fome e à predação. Como
resultado, nós precisávamos de um sistema de alerta que nos avisasse de um
potencial desentendimento, impedindo-nos de ofender alguém ainda mais. A rede
de dor, capaz de nos dar uma sacudida quando nos deparamos com danos físicos, teria
sido idealmente equipada para também inibir nosso comportamento social.
Rejeição e saúde
Apesar de inúmeros estudos alegarem que a solidão pode causar males
físicos nas pessoas (como menor expectativa de vida), pouco sabemos sobre o
impacto do isolamento a longo prazo, especialmente porque as respostas
fisiológicas a rejeição que conhecemos são de curta duração (como no estudo do
Cyberball).
Porque solidão pode ser fatal
Ainda assim, há medidas que podemos tomar para suavizar a falta de
carinho nas nossas vidas sociais. Nós todos gostamos de ser consolados e
amados, mas Eisenberger descobriu que dar apoio aos outros também abranda nossa
própria resposta à rejeição.
Em experimentos, ela deu choques elétricos em homens, sendo que alguns
puderam segurar a mão de suas parceiras em apoio. As mulheres estavam equipadas
com scanner de ressonância magnética. Quando elas podiam apoiar seu parceiro, a
resposta de seu cérebro de ameaça e rejeição foi significativamente mais
moderada.
Sendo assim, embora palavras possam mesmo ser tão dolorosas quanto
socos, cuidar de outras pessoas, assim como cuidar de nós mesmos, pode suavizar
bastante essa dor.
Fonte: NewScientist.
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