O comércio adora o Natal e não nos deixa esquecer que dezembro é o mês
de dar presentes – “para dizer às pessoas queridas o quanto gostamos delas”. A
pressão do marketing chega a ser irritante. Pergunto, então: presenteamos
porque é “a coisa certa a fazer”, ou porque... gostamos de dar presentes? Em
tempos festivos, e sobretudo em dias corriqueiros, será a generosidade genuína,
ou a decisão mais racional, correta?
Ganhar coisas é ótimo, com certeza. Um agrado material é, mais que o
presente em si, uma mensagem de carinho e cuidado: uma maneira de dizer “pensei
em você”. Ver a felicidade estampada no rosto de quem presenteamos nos faz
felizes – nem que seja por pura imitação, um processo automático para o cérebro
que nos torna empáticos: fazer bem aos outros acaba nos fazendo bem também,
ainda que isso nos custe dinheiro.
É possível, então, que causar um pouquinho de felicidade ao outro
sirva como reforço positivo para uma decisão racional: presentear no Natal
porque isso é “a coisa certa”. Mas será que é só por isso? Segundo um estudo do
Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), a generosidade pode decorrer
de uma decisão racional sobre o que é certo ou errado, sim. O estudo avaliou
voluntários que toparam decidir, de dentro de um aparelho de ressonância
magnética, como dividir com outros participantes o dinheiro que lhes era
ofertado.
O grau de altruísmo dos participantes era variável entre as pessoas –
e também ao longo de cada sessão de estudo, com escolhas cada vez menos
generosas ao longo do tempo. Esse declínio é um sinal de que decisões para o
bem-estar alheio requerem esforço, e vão ficando cada vez mais difíceis
conforme o cansaço aumenta. Esse esforço se manifesta no cérebro como um
aumento da atividade pré-frontal durante decisões altruístas, sinal de
autocontrole. Este padrão é encontrado sobretudo nas pessoas mais egoístas;
nelas, além do autocontrole, ficam visíveis no cérebro sinais de satisfação ao
perceber que sua decisão generosa, tomada com tanto esforço, não será
implementada. Para elas, ser generoso é, de fato, fazer a coisa certa.
Mas, em quem se mostrou mais generoso no estudo, decidir compartilhar
com conhecidos ou mesmo com estranhos não requer qualquer esforço pré-frontal.
Além disso, ver sua escolha não ser acatada causa decepção mensurável no
cérebro dessas pessoas. Para estas, ser “bom” é apenas natural.
A origem da generosidade espontânea, que não requer esforço, é o
prazer que sentimos desde já com a simples decisão de fazer o bem, muito antes
de provocar qualquer sorriso alheio. Foi o trabalho anterior de um
neurocientista brasileiro, Jorge Moll, que mostrou isso: decidir fazer o bem
ativa o sistema de recompensa do cérebro, e, portanto, dá prazer.
E é aqui que os céticos questionam a suposta falta de interesse da
generosidade. Talvez a gente só decida fazer o bem a conhecidos, desconhecidos,
e mesmo a nossos filhos, porque isso dá prazer a nós mesmos. Todo ato
altruísta, generoso, teria um fundo de interesse próprio.
Não há como negar que decidir ser generoso faz bem. Mas talvez seja
justamente isso o que importa: é preciso lembrar que nosso cérebro poderia não
dar a mínima para a felicidade alheia. A única razão para nossa generosidade
poderia ser exatamente... a razão. Mas não é: mesmo com a pressão do comércio,
ou apesar dela, temos a capacidade sensacional de ficar felizes com a mera
decisão, fácil e natural, de fazer alguém mais feliz com um simples presente.
Fonte: Scientific American.
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