domingo, 11 de novembro de 2012

Perguntas que a medicina ainda não sabe como responder


 Para que serve o apêndice?

Muita gente tem a resposta na ponta da língua: serve só para inflamar. Tanto que sua retirada não compromete a saúde de ninguém. Até pouco tempo atrás, os cientistas achavam que esse pequeno tubo ligado ao intestino grosso era um órgão vestigial - ou seja, um resquício da evolução. Sua função original teria se perdido com algum de nossos antepassados. Em 2007, contudo, houve uma reviravolta. Cientistas da Universidade Duke, nos EUA, publicaram um estudo sugerindo que o apêndice serve de abrigo para bactérias que ajudam na digestão. A estrutura promoveria a proliferação da flora intestinal (o playground dos micro-organismos "do bem" que vivem em nosso aparelho digestivo), ajudando, assim, a repor os desfalques causados por uma eventual infecção. Outra teoria sugere que o apêndice contribui para as defesas do corpo, já que nele se aglomeram células linfoides, produtoras de anticorpos. Essa seria sua principal função num passado remoto. Hoje, no entanto, o que esse órgão realmente promove é a apendicite. Ela atinge 0,25% da população e pode até matar. É por isso que, em caso de inflamação, o melhor mesmo é remover o dito-cujo.

Por que apenas metade das fertilizações in vitro resulta em gravidez?

Meses atrás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar infertilidade como doença. Não é para menos: de cada 100 casais em idade reprodutiva, 15 não conseguem ter filhos. No caso de mulheres acima de 36 anos, a incidência é ainda maior por causa do envelhecimento dos óvulos - as células sexuais femininas. Para solucionar o problema, muita gente recorre à fertilização in vitro (FIV). O tratamento funciona assim: primeiro, o médico estimula a ovulação múltipla controlada na mulher (em vez de liberar um óvulo no mês, ela vai liberar vários); em seguida, ele induz o amadurecimento dessas células, colhe as melhores e injeta nelas o sêmen do marido; depois, verifica quantos óvulos foram fertilizados e acompanha o desenvolvimento dos embriões em laboratório (daí o nome in vitro); por último, o médico transfere para o útero alguns desses embriões (no máximo 4). E toda a família faz figa. É justamente aí que começa o mistério. "A taxa de gravidez com a FIV não passa de 50%", afirma o especialista em fertilidade Selmo Geber, professor da UFMG e diretor da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida. Segundo Geber, o grande enigma é a implantação - o momento em que os embriões "grudam" no útero. Ela só ocorre em metade das mulheres, quando o esperado, por se tratar de um processo controlado, seria ocorrer em todas. Para uma mulher de até 35 anos que tenta engravidar normalmente, por meio de uma relação sexual, a chance de sucesso não passa de 20%. O motivo é simples: a concepção natural está sujeita a muitas variáveis. Pode ser que a mulher não tenha ovulado naquele mês ou que o folículo (bolsa que guarda o óvulo) esteja vazio. Pode acontecer também de o espermatozoide não chegar a tempo até o óvulo, ou chegar e não fecundá-lo. Mesmo que a fecundação ocorra, é possível ainda que não se forme um embrião. E, por último, existe a possibilidade de o embrião, apesar de formado, acabar não "grudando" no útero. "Já na fertilização in vitro, só existe essa última variável", diz Geber. Mesmo assim, a gravidez só ocorre em metade dos casos. E olha que são transferidos até 4 embriões para o útero! Por que isso acontece? Ninguém faz a mínima ideia. Certeza, só há uma: é preciso insistir quando a primeira tentativa de engravidar com FIV não dá certo. Segundo o especialista, 85% das mulheres engravidam após 3 tentativas.

 Pensamento positivo: ele é capaz de curar?

Para o nadador holandês Maarten van der Weijden, que se livrou de um câncer recentemente, pensamento positivo não cura doença alguma. "Acho até perigosa essa ideia. Ela sugere que você vai perder se não pensar positivamente. Foram os médicos que me salvaram, sou apenas um sujeito sortudo", afirma o campeão de natação. Diversos estudos, no entanto, indicam que ver o copo "meio cheio" ajuda mais que vê-lo "meio vazio". Um deles, produzido por pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, acompanhou 100 mil mulheres acima dos 50 durante 8 anos. E concluiu que as otimistas tinham risco 9% menor de ter problemas cardíacos e 14% menor de morrer por qualquer causa relacionada à idade (câncer e ataque cardíaco, por exemplo). Segundo outra pesquisa, desta vez levada a cabo na Universidade Ben Gurion, em Israel, mulheres que passam por situações muito difíceis, como a perda de familiares ou um divórcio, têm mais risco de desenvolver câncer de mama. O estudo israelense verificou que essas mulheres tendem a relatar problemas de depressão e ansiedade antes do diagnóstico. "Esses dados sugerem que o otimismo é protetor e que o pessimismo é prejudicial quando se fala em desenvolvimento de várias doenças, especialmente as do coração", diz a médica americana Laura Kubzansky, da Universidade Harvard. "Mas ainda falta descobrir muita coisa sobre os mecanismos envolvidos nessa proteção."

 Estamos longe da cura?

AIDS
Debilita o sistema imune de sua vítima, deixando-a vulnerável a uma série de infecções oportunistas.
1981 - A doença é descrita pela primeira vez. No ano seguinte, seriam confirmados os primeiros casos no Brasil.
1984 - Cientistas descobrem o retrovírus considerado agente causador da doença - mais tarde batizado de HIV.
1986 - Os EUA aprovam o uso do medicamento AZT, primeiro a dar resultados positivos no tratamento da aids.
2009 - O número de contaminados pelo HIV chega a 33,4 milhões no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.
PESQUISAS MAIS PROMISSORAS - Duas investigam as células CD-8 e o receptor celular CCR-5 nos sobreviventes de longo prazo (leia mais na pág. 41). Uma terceira se concentra nas células dentríticas plasmacitoides, que produzem uma proteína - a IFN-a - capaz de bloquear o vírus.

ALZHEIMER
Doença degenerativa do cérebro que afeta a memória, compromete o raciocínio e acaba levando à morte.
1906 - A origem da doença (acúmulos de proteína no córtex cerebral) é descrita pelo neurologista alemão Alois Alzheimer.
Anos 60 - Os cientistas reconhecem que Alzheimer é uma doença. Até então, achavam que era parte do envelhecimento.
1993 - Identificado um gene mutante da apolipoproteína, que responderia por até 25% dos casos de Alzheimer
2009 - Mais 4 genes ligados ao Alzheimer são identificados, ampliando as possibilidades de combate à doença.
PESQUISAS MAIS PROMISSORAS - Cientistas japoneses estudam a proteína "humanina", produzida no cérebro. No futuro, ela poderá ser usada para frear a morte de células nervosas nos doentes. Outra esperança vem de pesquisadores suecos, que testam drogas capazes de estimular células-tronco a substituir os neurônios destruídos pela doença.

PARKINSON
Também ataca o sistema nervoso - comprometendo movimentos, mas sem afetar a capacidade intelectual.
1817 - O cientista britânico James Parkinson descreve a desordem neurológica pela primeira vez.
1961 - A substância Levodopa começa a ser usada em doentes de Parkinson. Ela não cura, mas alivia os sintomas.
1984 - Mohamed Ali anuncia que sofre da doença. Especula-se que os golpes recebidos durante a carreira sejam a causa.
2006 - Pesquisadores de Harvard, nos EUA, sugerem que longa exposição a pesticidas aumenta o risco de Parkinson.
PESQUISAS MAIS PROMISSORAS - Cientistas da Universidade do Colorado, nos EUA, descobriram que o gene DJ-1 pode evitar a morte das células nervosas atacadas pela doença, e trabalham no desenvolvimento de uma droga que estimule seu bom funcionamento. Tratamentos neuroprotetores também são pesquisados por outras instituições.

CÂNCER
Mais de 100 doenças caracterizadas pelo desenvolvimento de células tumorais.
1873 - O inglês Campbell de Morgan descobre que o câncer surge localmente e se espalha pelo corpo (metástase).
1910-1920 - A polonesa Marie Curie coordena os primeiros estudos para tratamento de tumores usando radioatividade.
1991 - Mutações do gene p53 são associadas a vários tipos de câncer (hoje, sabe-se que ele está ligado a 50% dos casos).
1993 - Estudo feito nos EUA prova que fumaça de cigarro causa câncer e põe fim à controvérsia sobre fumantes passivos.
PESQUISAS MAIS PROMISSORAS - Depois de descobrir que o bloqueio de um gene causador da doença - o Skp2 - força células tumorais a envelhecer e morrer, pesquisadores de Harvard desenvolveram uma droga que já está na fase de testes. A partir dela, acredita-se ser possível criar medicamentos capazes de extirpar células cancerígenas.

O que provoca a gagueira?

Quase 2 milhões de brasileiros (aproximadamente 1% da população) apresentam alguma forma desse distúrbio. Uns repetem sons e sílabas ("E-e-era uma vez" ou "Era uma ve-vez"). Outros prolongam os sons ("Era uma vvvvez"). E há também os que sofrem bloqueios na hora de pronunciar as palavras ("Era uma... ....vez"). Ao contrário do que diz a sabedoria popular, gagueira não é contagiosa nem é fruto de nervosismo - embora muitos gagos fiquem ansiosos em função de sua dificuldade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), ela provavelmente é causada pelo mau funcionamento de áreas do cérebro responsáveis pela automatização da fala. São os chamados "núcleos de base", que não conseguem ajustar bem o tempo de duração dos sons e das sílabas. De acordo com o especialista britânico David Ward, diretor do Laboratório de Ciências da Linguagem da Universidade de Reading, na Inglaterra, crianças com parentes de 1o grau que sejam gagos têm 3 vezes mais risco de gaguejar também. Essa concentração em famílias indica, segundo Ward, que a gagueira pode ter um componente genético em sua origem. No entanto, mesmo quem tem predisposição só desenvolve o distúrbio ao interagir com o ambiente. Outras causas estariam ligadas a lesões na estrutura do cérebro durante a gestação - falta de oxigênio, prematuridade ou traumatismos, por exemplo.

Qual seria a causa do sonambulismo?

Em crianças, ninguém sabe ao certo. Cansaço, poucas horas dormidas e ansiedade são apenas candidatos a explicar por que cerca de 30% delas apresentam essa desordem do sono. Os especialistas também suspeitam de um fator hereditário. Os episódios começam uma ou duas horas depois que a criança dorme, geralmente antes da fase REM (a do movimento rápido dos olhos, período no qual é mais comum a manifestação dos sonhos). As funções motoras despertam, enquanto a consciência continua dormindo. Assim, o sonâmbulo pode sentar na cama, ficar de pé, fazer movimentos repetitivos e até perambular pela casa, mas não sabe o que está acontecendo. Os eventos podem durar de poucos segundos a vários minutos, e se repetir durante a noite. À medida que a criança cresce, o sonambulismo tende a desaparecer sem deixar vestígios. Por isso, é considerado um distúrbio benigno. Já nos adultos, a prevalência é bem menor (4%) e pode estar relacionada a transtornos mentais, reações a drogas ou álcool, estresse, problemas de respiração no sono, refluxos gástricos ou esquizofrenia, entre outros fatores não totalmente conhecidos.

O que provoca a esquizofrenia?

Esquizofrenia é um problema sério, que atinge 1% da população mundial (2 milhões de pessoas apenas no Brasil). Durante as crises, os doentes costumam perder o contato com a realidade: têm alucinações, escutam vozes, deliram. Já no dia a dia, podem apresentar déficit de memória, ansiedade acima do normal e depressão. Embora permaneça sem cura, já se sabe muita coisa sobre a doença. Mas sua origem continua sendo mistério. Estudos indicam que ela tem um componente genético e neurodesenvolvimental - ou seja: ainda no útero, o feto começa a sofrer uma alteração em seu sistema nervoso. Esse quadro vai progredindo na infância e na adolescência, até aparecerem os sintomas. A maioria dos especialistas acredita que os surtos acontecem justamente por causa desse desenvolvimento cerebral anormal. Ele geraria um desequilíbrio na produção de substâncias que regulam a troca de informações entre os neurônios, como a dopamina e o glutamato. "Acreditamos que ocorra um excesso dessas substâncias em certas regiões do cérebro, e uma diminuição em outras", diz o psiquiatra Jaime Hallak, professor da Faculdade de Medicina da USP. Mas o que provoca esse desequilíbrio? Ninguém arrisca cravar uma resposta. Parte do mistério pode ser elucidada com uma explicação genética. Quando o pai é esquizofrênico, o risco de seu filho também ser chega a 10%. Já quando pai e mãe sofrem da doença, essa probabilidade salta para 25%. O problema é que a matemática dos genes ainda não resolve a equação por completo. "Mesmo conhecendo o padrão genético, não sabemos quais genes atuam na esquizofrenia", afirma o psiquiatra. Pesquisas recentes sugerem que fatores ambientais também estão ligados ao desenvolvimento da doença. Mudanças drásticas na vida de uma pessoa podem resultar num estado de estresse incomum, levando-a a um penoso processo de reorganização. Nessa fase de adaptação, a esquizofrenia tenderia a se manifestar entre os que apresentam propensão genética. Segundo os defensores dessa tese, perder uma pessoa amada ou ir morar no exterior elevaria o risco de 1% para 3%. E quem fumou muita maconha na adolescência estaria 10 vezes mais sujeito a virar esquizofrênico na fase adulta - desde que também apresente predisposição.

Qual é a origem do autismo?

Eis uma das perguntas que mais desafiam a medicina. E não é a única envolvendo essa doença. Pergunte a qualquer médico: por que o autismo é 4 vezes mais comum em meninos que em meninas? Ele não será capaz de responder. São tantos os mistérios relacionados à disfunção que, para muitos especialistas, ela não é apenas uma, mas várias doenças. A Sociedade Americana de Autismo, por exemplo, define-a como um conjunto de transtornos que afetam suas vítimas - sempre até os 3 anos de idade - com diferentes graus de intensidade. Estudos de gêmeos idênticos indicam que a desordem pode ser, pelo menos em parte, de natureza genética - quando ocorre em um dos irmãos, tende a ocorrer no outro também. Mas há evidências, por outro lado, de que a origem do autismo esteja associada a infecções virais, como a rubéola congênita. As especulações não param por aí. Alguns pesquisadores acreditam que o desenvolvimento do autismo pode estar ligado também à fenilcetonúria - uma doença herdada, que decorre da falta ou ausência total de uma enzima chamada fenilalanina hidroxilase. E certos trabalhos científicos sugerem ainda uma relação entre o autismo e a síndrome do X frágil (assim chamada por ser resultado de uma alteração no cromossomo X). Certo mesmo é que os autistas geralmente apresentam uma tremenda dificuldade para interagir e se comunicar com o mundo ao seu redor. É por isso que, no passado, acreditava-se que o transtorno tivesse origem psicológica. Hoje, não se cogita mais essa hipótese.

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