Durante o século 20, terapeutas de várias linhas, em especial psicanalistas, acreditaram que relembrar eventos traumáticos é fundamental para a cura. Seria necessário experimentar mentalmente os fantasmas de nosso passado a fim de diminuir seu impacto emocional. Essa crença começou a desaparecer nos anos 90. À medida que a neurociência evoluiu, graças às tecnologias de visualização do cérebro, passou-se a identificar os centros físicos da memória e a projetar um futuro em que será possível apagar lembranças desagradáveis. Isso será mais eficiente do que qualquer terapia.
A personalidade costuma ser definida como o resultado da formação familiar, da experiência pessoal e das escolhas feitas ao longo da vida. O caráter era formado pelas respostas aos estímulos do cotidiano e alterado por momentos de extrema dor ou choque. Ou seja: era resultado direto da nossa memória. Um acontecimento traumático muito marcante poderia mudar toda uma vida, a não ser que seu impacto fosse minimizado — aí, ele continuaria lá, como uma ruga ou uma cicatriz, mas estaria mais ou menos superado. É assim que as pessoas imaginam sua história.
Para os neurocientistas, o problema com lembranças ruins é que despertam reações químicas que atrapalham o funcionamento do cérebro. Mas há como reverter isso. Os pesquisadores argumentam que esse órgão não é uma parede, construída tijolo por tijolo, mas sim um tapete persa, constituído por fios entremeados. A carga genética, as experiências pessoais, a formação familiar, tudo se soma para formar o que somos. Mas a base, o fio do tapete, é uma rede de neurônios, que responde a reações químicas. A memória está localizada em partes específicas desta rede. Se alguma lembrança atrapalha o todo, bastaria resgatar o equilíbrio químico original.
Uma das soluções para isso se baseia em medicamentos. Soldados americanos que voltaram do Iraque com experiências traumáticas foram submetidos a tratamento com propranolol, um químico geralmente usado para prevenir infarto do miocárdio e, que neste caso, serviu para apagar a memória recente. A substância, que só tem esse efeito se ministrado pouco tempo depois do trauma, também teve bons resultados em uma experiência liderada pelo médico Roger Pitman, da Universidade Harvard, com vítimas de acidentes traumáticos.
O próximo passo, por enquanto sonhado mas não testado, vai ser a cirurgia para remover memórias específicas — tal como no filme Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças (2004). A rede de neurônios é um fio entremeado, mas a memória tem endereço certo: o córtex pré-frontal infralímbico. É ali que médicos pretendem mexer, assim que conseguirem selecionar as conexões das más lembranças. Quando este momento chegar, poderemos tratar dos traumas com uma simples cirurgia, e não com anos e anos de terapia.
Fonte: Galileu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário