quinta-feira, 1 de março de 2012

A inveja desvendada

Pesquisa revela que esse sentimento é processado na mesma região cerebral que a dor física. Certa vez, um homem, extremamente invejoso de seu vizinho, recebeu a visita de uma fada, que lhe ofereceu a chance de realizar um desejo. "Você pode pedir o que quiser, desde que seu vizinho receba o mesmo e em dobro", sentenciou. O invejoso respondeu, então, que queria que ela lhe arrancasse um olho. Moral da história: o prazer de ver o outro se prejudicar prevaleceu sobre qualquer vontade. É por meio dessa fábula que a psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960) definiu na obra "Inveja e Gratidão", um dos principais estudos já feitos sobre o tema, o comportamento de quem vive intensamente esse sentimento.
Há um lugar no cérebro reservado para a inveja. Pela primeira vez, uma pesquisa científica mostra onde ela e o shadenfreude - palavra alemã que dá nome ao sentimento de prazer que o invejoso experimenta ao presenciar o infortúnio do invejado - são processados na mente humana.
De autoria do neurocientista japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, em Tóquio, o estudo "Quando a sua Conquista É a minha Dor e a sua Dor É a minha Conquista: Correlações Neurais da Inveja e do Shadenfreude foi publicado recentemente pela revista cientifica americana Science. Por meio de ressonância magnética realizada em 19 voluntários (dez homens e nove mulheres), na faixa etária dos 20 anos, foi possível identificar onde os sentimentos são processados no cérebro. Ao sentir inveja, a região do córtex singulado anterior é ativada.

O interessante é notar que é nesse mesmo local que a dor física se processa. "A inveja é uma emoção dolorosa", afirma Takahashi. O shadenfreude, por sua vez, se estabelece no estriado ventral, exatamente onde se processa a sensação de prazer. "O invejoso fica realizado com a desgraça do invejado", diz o pesquisador. Durante a pesquisa, Takahashi induziu os voluntários a imaginarem um cenário que envolvia outros três personagens, do mesmo sexo, faixa etária e profissão que eles. Dois deles seriam, hipoteticamente, mais capazes e inteligentes.
Dessa comparação nasce a inveja, especialmente quando as pessoas são muito parecidas. Ou seja, é mais comum uma mulher se incomodar com outra, da mesma faixa etária e profissão, do que com alguém com características totalmente diferentes. "Trata-se de um sentimento caracterizado pela sensação de inferioridade", explica o neurocientista Takahashi. "Quando há essa sensação, é porque houve comparação e a pessoa perdeu."
Além da insegurança, a baixa autoestima, o sentimento de incapacidade e a sensação de injustiça são características comuns aos invejosos. "Pessoas bem resolvidas e esclarecidas tendem a ter menos inveja", diz o psiquiatra José Thomé, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Mas por que há pessoas muito invejosas e outras que passam a vida quase sem sentir essa emoção? A psicóloga Sueli Damergian, professora da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o segredo está em não ultrapassar a linha da afeição. "A inveja é sempre fruto da admiração", diz. "Se ela ficar restrita a isso, pode funcionar como impulso para o desenvolvimento." O problema é quando essa barreira é rompida. "Se o impulso destrutivo for muito forte, o invejoso passa a viver a vida do outro e isso pode ser danoso tanto para ele quanto para o invejado."
Em casos patológicos, que, segundo especialistas, são mais comuns do que se imagina, quem sofre do mal é capaz de caluniar e perseguir. Há, também, os que somatizam. Nessas situações, podem apresentar quadro depressivo, autodestrutivo, agressividade e tendências suicidas. O psiquiatra Thomé acredita que, salvo os casos patológicos, as pessoas têm livre-arbítrio para viver ou eliminar a inveja. "É um sentimento muito primitivo, que deve ser trabalhado."




O ambiente de trabalho, por sua vez, também é terreno fértil para os invejosos. Uma pesquisa das universidades de Warwick e Oxford, na Inglaterra, mostra que nem sempre se inveja a maneira de ser do rival, mas suas posses. No experimento, os entrevistados poderiam ganhar ou "queimar" o dinheiro do concorrente, sob o custo de perder parte de sua verba - 62% dos participantes escolheram se voltar contra o outro. Segundo a psicóloga Glaura Maria Verdiani, autora da tese de mestrado "Um Estudo sobre a Inveja no Ambiente Organizacional", pelo Centro Universitário de Araraquara (SP), é provável que esse sentimento esteja impregnado em 100% das relações profissionais. Assim como os demais sentimentos, a inveja vem de berço. Segundo Melanie Klein, até mesmo os bebês nutrem esse sentimento. Eles invejam o seio materno, capaz de alimentá-los e confortá-los. A emoção, no entanto, começa a se tornar mais visível na primeira infância e se manifesta na forma de cobiça.
A psicóloga Sueli, da USP, assina em baixo. "É importante eliminar os sentimentos de inferioridade e baixa autoestima e mostrar o outro lado", explica. "Se a pessoa não é boa em algo, certamente será em outra coisa." Afinal de contas, a melhor maneira de domar o sentimento da inveja é, identificá-lo e aprender a lidar com ele.
Fonte: Istoé


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