sexta-feira, 7 de junho de 2013

Retrato genotipado

Artista recria rostos a partir do DNA extraído de chicletes mastigados, guimbas de cigarros e fios de cabelo. Os retratos, exibidos publicamente, levantam questões sobre privacidade genética.
Chicletes mastigados, fios de cabelos e guimbas de cigarro. Quem já jogou algum desses itens fora pode estar na exposição ‘Stranger Visions’ (1Visões Estranhas1, em português), de Heather Dewey-Hagborg, artista que recria rostos de desconhecidos a partir do DNA extraído do lixo que encontra nas calçadas.
Tudo começou durante uma sessão de terapia. Enquanto observava um quadro coberto por vidro, Dewey-Hagborg notou um fio de cabelo preso em uma rachadura. “Fiquei encarando e me perguntei a quem o cabelo pertencia e o que revelava sobre seu dono”, explica. “Comecei a perceber todo o material genético que estava ao meu redor e a ideia da exposição veio à tona.”
Aluna de doutorado em artes eletrônicas do Instituto Politécnico Rensselaer, em Troy, Nova Iorque, Dewey-Hagborg carrega na bolsa luvas descartáveis e sacolas plásticas para coletar, além de fios de cabelo, guimbas de cigarro e chicletes mastigados. Segundo ela, os transeuntes nem notam seu estranho hábito. “É Nova Iorque, as pessoas devem achar que sou apenas mais uma esquisitona”, diz.
Para extrair o DNA das amostras, Dewey-Hagborg leva o material para o Genspace, um laboratório do tipo ‘faça você mesmo’, onde fez um curso de extração de DNA e aprendeu uma técnica que amplifica regiões do genoma que variam de uma pessoa para outra. Tais regiões ajudam a artista a identificar as características do rosto do desconhecido que deixou seus genes por aí.

Depois de amplificar o DNA, Dewey-Hagborg envia o material para um laboratório que o sequencia. Quando o recebe de volta, a artista compara o DNA do desconhecido com sequências genéticas associadas a características como sexo, cor dos olhos e tamanho do nariz. Em seguida, Dewey-Hagborg usa um programa de computador criado por ela mesma para fazer o retrato do dono da amostra que achou na rua.
Impressão 3D
O processo não termina aí. O retrato produzido pelo programa de computador é impresso em tamanho real por uma impressora 3D e fica exposto em um museu junto à amostra coletada por Dewey-Hagborg. “Parece meio sinistro, mas as pessoas têm reagido bem à exposição. Muitas mandam e-mails pedindo para ter seu próprio retrato exposto”, conta a artista.
Segundo Dewey-Hagborg, ninguém se reconheceu na parede do museu até então. “É importante lembrar que isso é arte e o retrato não é idêntico ao modelo, existe apenas uma semelhança familiar”, explica. “Isso acontece principalmente porque as pesquisas científicas que associam a morfologia facial com a genética ainda estão no início.”
O principal objetivo da artista é levar os visitantes da exposição a refletir sobre o quanto estão se expondo ao dispersar seu DNA. “As pessoas estão preocupadas com as informações que compartilham nas redes sociais, mas esquecem que sua privacidade é invadida quando dispersam cabelos e unhas porque não notam que isso também contém informação”, observa.
DNA no lixo
No Brasil, discussões sobre privacidade genética foram levantadas durante um sequestro ocorrido em 2003. Sequestrado por Vilma Martins ainda na maternidade, Pedro Pinto foi registrado como Osvaldo Junior e criado até a adolescência sem conhecer sua verdadeira mãe. Após indiciar Vilma, a polícia desconfiou que Roberta Jamilly, criada como irmã de Pedro, também havia sido sequestrada. No entanto, Roberta não quis saber a verdade e se recusou a fazer os testes genéticos.
A falta de cuidado com o descarte de seu próprio DNA revelou a verdade que Roberta não queria saber. Seu material genético foi extraído de guimbas de cigarros que fumou e jogou na lixeira da delegacia durante um depoimento e, após os testes, a polícia descobriu que Roberta não era filha de Vilma.
Segundo a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo, tanto a exposição de Dewey-Hagborg quanto o caso de Roberta levantam questões éticas importantes. “A informação contida em nosso DNA está mais acessível do que pensamos. Será ético usar material genético descartado sem o conhecimento do dono? A quem esse material pertence?”, questionou a pesquisadora em palestra sobre genoma pessoal proferida na Universidade Estadual de Campinas no mês passado.
Dewey-Hagborg acredita que sua arte pode conscientizar a população sobre a importância da privacidade genética. “Artefatos contendo material genético são tratados como lixo e ninguém se preocupa com eles. Espero que meu trabalho torne as pessoas mais vigilantes”, completa.
Fonte: Ciência Hoje.

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