Apesar de estudos confirmarem a eficácia do tratamento, ainda vemos
centros de atenção psicossocial (CAPS) demitindo em massa clínicos de
orientação psicanalítica.
Em 1784 o rei Luiz XVI nomeou uma comissão da Academia Francesa de
Ciências para investigar fenômenos de cura promovidos em nome do “magnetismo
animal”, certa forma de energia semelhante à eletricidade, presente nos corpos
animados, cujo desequilíbrio causaria doenças. Benjamin Franklin, Antoine
Lavoisier e Joseph-Ignace Guillotin, tendo à frente o biólogo Antoine Jussieu,
concluíram que as curas não podiam ser atribuídas aos procedimentos dos
discípulos do médico e magnetizador Franz Mesmer e que os conceitos mobilizados
para explicá-las eram inaceitáveis. Apesar disso algo acontecia. E mesmo que
isso fosse atribuído à sugestão ou ao hipnotismo ainda assim era obrigação da
ciência explicar como funciona este poder de transformar um fato da natureza
por meio de palavras.
Neste tempo mudou o que chamamos de ciência e mudou o que chamamos de
psicanálise. A maior parte das novas objeções centra-se em estudos sobre os
casos clínicos originais mostrando seus defeitos e insuficiências. Como se
tomássemos a medicina do século 19 para ridicularizar seus equívocos aos olhos
de nossos critérios atuais. Até a década de 50 a psiquiatria amarrava pessoas
com autismo em cadeiras, mas isso não a torna menos científica hoje.
Vem ganhando força a ideia de que a psicanálise não é apenas uma
ciência, mas possivelmente várias. Assim como não podemos confundir a medicina
com as ciências nas quais esta se apoia (anatomia, físico-química, genética,
fisiologia), não é preciso imaginar que os fundamentos da psicanálise repousam
em um único reduto, tal como a hipótese do inconsciente ou a teoria da libido.
Talvez o tipo de cientificidade da psicanálise seja parecido com o da teoria da
evolução, não por sua afinidade com o naturalismo, mas porque ambas tentam
explicar uma gama muito grande de fenômenos, requerendo um conjunto variado de
hipóteses e, portanto, uma teoria da prova diversificada. E sua teoria da prova
remonta à combinação entre evidências causais que se cruzam na prática do
método de tratamento, mesmo que oriundas de disciplinas diversas.
Então por que uma prática amplamente instalada nos dispositivos de
produção de ciência, das universidades aos hospitais e centros de pesquisa, em
quase todos os países do mundo, prestando contas em revistas, congressos e
publicações, recebendo financiamento público e privado para isso, é tão
frequentemente questionada? Por que, apesar de estudos independentes,
promovidos por não psicanalistas, confirmarem a eficácia do tratamento
psicanalítico, ainda assim vemos tradicionais Centros de Atenção Psicossocial
(Caps) demitindo em massa clínicos de orientação psicanalítica?
Não é pela ineficiência ou pela cientificidade, que são usadas aqui
apenas como abuso e exploração do perpétuo julgamento moral da “coisa
psíquica”, mas porque como empreendimento a psicanálise é um péssimo negócio:
não entra nos planos de saúde, não permite que se explore e se empreite o
trabalho dos outros, não produz nenhum objeto, nem oferece um serviço padrão a
ser multiplicado, indefinidamente, de modo impessoal. No fundo continuamos
artesanais, no fazer e no formar, na ambição de justificativa pelas regras do
jogo científico e na defesa do método clínico. Mesmo que os novos “Guillotins”
queiram pensar de outra maneira.
Fonte: Scientific American.
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