Tomografias cerebrais sugerem que nossas avaliações se baseiam mais em
intuições e emoções do que em processos racionais.
De que maneira os sentimentos afetam nosso julgamento sobre o que é
moral? Um estudo publicado na Nature de abril de 2007 apresenta uma nova e
importante concepção sobre a relação entre raciocínio moral e emoção. Os
pesquisadores Michael Koenigs, pós-doutorando do Instituto Nacional de
Transtornos Neurológicos e AVC, Liane Young, aluna de pós-graduação em
psicologia cognitiva da Universidade Harvard e seus colegas descobriram que uma
lesão no córtex pré-frontal ventromedial (CPFVM, uma região do cérebro
localizada acima das órbitas dos olhos) aumenta a preferência por escolhas
“utilitárias” em situações de dilema moral. Nesses casos, os julgamentos
favorecem o bem-estar agregado em detrimento do bem-estar de menor número de
indivíduos. O estudo coloca lenha na fogueira de um já acalorado debate sobre
os malabarismos que fazemos com fatos e emoção para tomarmos decisões morais.
Koenigs e Liane aplicaram um teste sobre tomada de decisão moral em
três grupos: um deles formado por seis pacientes com lesão bilateral de CPFVM;
outro constituído por pessoas com lesões em outras regiões do cérebro, e um
terceiro grupo de -indivíduos controle neurologicamente saudáveis. As pessoas
submetidas ao teste enfrentaram cenários de tomada de decisão em quatro
classes. Uma delas continha cenários morais “pessoais de alto conflito”
(moralmente ambíguas) e emocionalmente incômodas; exigia que a pessoa tomasse a
decisão de empurrar ou não um estranho, obeso, em direção aos trilhos de um
trem descontrolado (o que, consequentemente, mataria essa pessoa) para salvar a
vida de cinco trabalhadores adiante na linha.
Uma segunda classe continha cenários de “baixo conflito” (sem
ambiguidade moral), mas altamente pessoais, tais como se seria moral que um
homem contratasse alguém para estuprar a esposa para que, depois, pudesse
consolá-la e reconquistar seu amor. Uma terceira classe oferece situações
moralmente ambíguas, mas relativamente impes-soais, como se seria certo mentir
para um segurança e “tomar emprestada” uma lancha veloz para avisar os turistas
sobre uma tempestade mortal iminente. Uma quarta classe consistiu em avaliar
situações ambíguas, mas amorais, como tomar um trem em vez de ônibus para chegar
pontualmente a algum lugar.
Nas situações bem-definidas de baixo conflito pessoal, os pacientes
com lesão no córtex pré-frontal ventromedial e os indivíduos-controle tiveram
desempenhos semelhantes, respondendo unanimemente de forma negativa a exemplos
semelhantes. Mas, ao ponderarem sobre as situações emocionalmente mais
carregadas de ambiguidade, os pacientes com lesão de CPFVM exibiram uma
probabilidade muito maior que os demais de endossar decisões utilitárias que
levariam a um maior bem-estar agregado. Eles se mostraram muito mais dispostos
que os demais a, por exemplo, empurrar um passageiro circunstante na frente do
trem para salvar um grupo de trabalhadores no caminho adiante.
Por que as pessoas com lesão no CPFVM deveriam exibir maior
preferência por escolhas utilitárias? É tentador atribuir esta preferência a um
embotamento emocional geral – um traço habitualmente encontrado nos pacientes
com lesão pré-frontal. Emoção diminuída supostamente tornaria esses pacientes
mais propensos ao raciocínio utilitário. Mas uma pesquisa anterior realizada
por Koenigs e Daniel Tranel, professor de neurologia dos Hospitais e Clínicas
da Universidade de Iowa, com pacientes com lesão no CPFVM mostra o oposto.
Naquele estudo, os voluntários participavam do “jogo do ultimato”. Nessa
atividade, é oferecida uma soma em dinheiro a um par de jogadores. O jogador A
propõe alguma divisão do dinheiro com o parceiro B; se este último rejeitar os
termos da divisão, nenhum deles recebe nenhum dinheiro. Para o jogador B, a
decisão estritamente utilitária é aceitar qualquer proposta, mesmo que receba
apenas 1% do dinheiro, já que a rejeição da oferta implica nenhum ganho. A
maioria das pessoas, porém, rejeita ofertas excessivamente desequilibradas
porque determinadas propostas ofendem seu senso de justiça. Os jogadores com
lesão de CPFVM, contudo, rejeitaram com maior frequência as ofertas
desequilibradas que os indivíduos-controle – aparentemente por se sentirem
insultados pela proposta desigual, ainda que lucrativa, o que invalida os
argumentos utilitários. Um embotamento emocional geral e um maior raciocínio
utilitário parecem, portanto, explicações improváveis para o comportamento dos
pacientes com lesão de CPFVM.
Uma causa mais parcimoniosa, apresentada como hipótese em um artigo da
Nature Reviews Neuroscience, é que razão e emoção cooperaram para produzir
sentimentos morais. O CPFVM teria especial influência nos chamados “sentimentos
pró-sociais” – que incluem culpa, compaixão e empatia. Eles emergem quando
estados como tristeza e afiliação, que se originam das áreas límbicas, são
integrados com outros mecanismos mediados por setores anteriores do córtex
pré-frontal ventromedial – como avaliação de possíveis desfechos. Estudos que
utilizam técnicas de imageamento funcional corroboram esta ideia. Como
descrevemos num artigo de 2007 na Social Neuroscience e numa pesquisa anterior,
o córtex participa ativamente não apenas dos processos explícitos de julgamento
moral, mas também quando as pessoas são passivamente expostas a estímulos
evocativos de sentimentos pró-sociais (como os despertados pela cena de uma
criança com fome). Curiosamente, o CPFVM era acionado quando os voluntários
optavam por sacrificar dinheiro para doar a obras de caridade – decisão que é,
ao mesmo tempo, utilitária e emocional –, como descrevemos em um artigo de 2006
do Proceedings of the National Academy of Sciences USA.
A deterioração dos sentimentos pró-sociais, resultante de lesão na
parte ventral (ou lado de baixo) do córtex pré-frontal, juntamente com uma
capacidade preservada de experimentar reações emocionais aversivas associadas a
ira ou frustração (dependendo mais dos setores laterais do córtex e conexões
subcorticais), poderiam explicar os resultados dos dois estudos de Koenigs. Os
pacientes com lesão de CPFVM que participam do jogo do ultimato, por exemplo,
deixam que emoções como raiva e desdém governem as decisões não utilitárias
para rejeitar ofertas injustas. Os pacientes com lesão de CPFVM foram mais
práticos – ou utilitários – ao enfrentar dilemas morais difíceis, justamente
porque a lesão nas partes centrais do córtex pré-frontal reduziu os sentimentos
pró-sociais, dando vantagem relativa ao raciocínio impiedoso.
Esta explicação nos leva de volta ao dilema de Einstein. A carta de
Einstein a Roosevelt ajudou a preparar os EUA e a construir as primeiras bombas
atômicas. Aquelas bombas mataram dezenas de milhares de civis – mas, ao
fazê-lo, deram um fim à Segunda Guerra Mundial. Teria sido cruel a escolha
utilitária de Einstein, resultante das emoções sendo subjugadas pela pura
cognição? Acreditamos que não. Aparentemente, a razão e os sentimentos de
Einstein estavam trabalhando juntos muito bem, refletindo inteiramente a
interação entre pensamento, emoção, empatia e presciência – bem como angústia e
ambivalência – que complexas decisões morais incitam.
Fonte: Scientific American.
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