O alívio de falar de si mesmo está relacionado a
ativação de estruturas cerebrais de recompensa.
Ah, como é bom ter para quem contar as coisas.
Outro dia cheguei em casa com fumacinhas saindo da cabeça, tamanha minha
irritação com questões variadas no trabalho, que vim remoendo no caminho. Se
meu marido não estivesse em casa, eu teria continuado insistindo mentalmente no
assunto por um bom tempo, e só me irritando mais.
Mas não: ele estava aqui, e me ofereceu seus
ouvidos e comiseração. Era tudo de que eu precisava: uma oportunidade para meu
cérebro finalmente executar o longo programa motor que ele vinha montando havia
horas, desfiando e revisando minhas misérias do dia, e botar tudo para fora, em
palavras, para então poder sossegar.
Por isso segurar um segredo dá tanto trabalho – e
por isso contar é tão bom. Preocupações, assim como segredos, são
representações mentais angustiantes, aflitivas, que levam à ativação de uma
estrutura do cérebro especializada em antecipar problemas, o córtex cingulado
anterior. Ativado, ele, por sua vez, dispara uma série de alarmes, parte da
resposta ao estresse da preocupação, que deixam tanto corpo como cérebro
tensos. Além disso, já que o cérebro sabe colocar seus pensamentos em palavras,
ficamos remoendo a preocupação ou o segredo, ensaiando mentalmente sua versão
motora, produzida pela boca. Mas, sem ter com quem desabafar, ou para quem
contar, esse programa motor fica só na vontade, e não sai. E assim tem-se um
cérebro cada vez mais aflito, que tem de fazer força cognitiva, atenta, para segurar
ativamente suas palavras.
Por isso colocar tudo para fora é tão bom: assim o
programa motor tão ensaiado é executado e não precisa mais ser segurado pelo
seu córtex pré-frontal; assim o cingulado anterior pode soltar um “Ufa!” e
desligar os alarmes que ajudavam o resto do cérebro a manter o controle.
Essa é uma das razões pelas quais a psicoterapia
pode ser tão boa: o simples desabafo. Claro, amigos, parentes, padres, e às
vezes até a pobre da pessoa sentada ao seu lado esperando o ônibus também
servem quando tudo o que se precisa é uma oportunidade para despejar as
preocupações em palavras.
Falar da gente mesmo é muito bom. Um estudo recente
da Universidade Harvard mostrou que, tendo opção entre responder perguntas
sobre os gostos e hábitos dos outros, sobre simples fatos, ou sobre si mesmos,
os participantes preferiam falar do próprio umbigo – e até pagavam para
escolher esta alternativa, e de dentro de um aparelho de ressonância magnética,
onde só os pesquisadores viam suas respostas. A preferência por falar de si
mesmo está relacionada a uma maior ativação das estruturas do sistema de
recompensa, o que gera prazer.
Funciona mesmo quando segredo completo é garantido.
Mas, seres sociais que somos, a ativação do sistema de recompensa é
especialmente alta quando os voluntários sabem que suas respostas serão ouvidas
pelo acompanhante que eles levaram para o estudo. Falar de si é bom, mas falar
de si para os outros é melhor ainda.
Não é à toa, portanto, que a liberdade de expressão
pessoal e de opinião é altamente valorizada. Não se trata apenas de um
construto social ou cultural: o prazer de expressar seus próprios pensamentos e
estado de espírito é real, mensurável, e vem lá dos cafundós do cérebro. E
quando os próprios pensamentos são aflitivos, o desabafo ainda é um alívio só.
Uma ressalva, contudo: pelas mesmas razões, ficar
revisitando e remoendo um mesmo problema meses a fio, ao longo de sessões e
mais sessões de terapia, muitas vezes é um tiro no pé. É preciso saber deixar o
problema ir embora.
Fonte: Scientific American.
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