O encéfalo humano – que reúne dentro da caixa craniana, o cérebro, o
cerebelo e o tronco – é, até prova em contrário, o pedaço de matéria organizada
mais complexa em todo o universo conhecido. Muitos consideram o encéfalo uma
espécie de apogeu da evolução da vida, mas não deixa também de ser um triunfo
da história da matéria que compõe o próprio Universo.
Quase todos os átomos da Tabela Periódica foram gerados por
nucleossíntese atômica no interior de antigas estrelas que depois explodiram
como supernovas, liberando essa matéria que, então, pôde reorganizar-se em
novas estrelas – agora com planetas e moléculas de todo tipo.
Sobre esse substrato material a vida surgiu e desenvolveu-se, pelo
menos na Terra. Não podemos resistir à poética observação do astrônomo e
divulgador da ciência Carl Sagan quando explica que somos basicamente a matéria
das estrelas... contemplando a si mesma!
Essa minúscula, mas inquieta, massa de tecido neural pesa pouco mais
de um quilo – cerca de 2% do nosso peso – mas consome mais de 20% da energia
disponível, quase que apenas para manter a custosa comunicação eletroquímica
entre os neurônios.
O tecido nervoso difere de todos os outros na medida em que, nele, a
diferenciação é a regra, não havendo duas células idênticas. E, além disso,
conectando-se – estejam próximas ou distantes entre si – nos mais variados
padrões de redes imagináveis.
Outros tecidos do corpo são bem diferentes: compõem-se de células
relativamente homogêneas, cada uma fazendo mais ou menos a mesma coisa e, quase
sempre, simultaneamente, ou seja, operam em massa.
No tecido nervoso a ação celular massiva não é comum, exceto em
situações patológicas, como numa convulsão.
Cada um dos mais de 80 bilhões de neurônios dessa verdadeira “galáxia”
neural que é o encéfalo humano recebe, de outros neurônios, milhares de
conexões – as chamadas sinapses, computando o conjunto de sinais recebidos como
se fosse uma “pesquisa de opinião”, e decidindo se enviará ou não, por sua vez,
um
potencial de ação ao longo de seu axônio rumo a alguns ou muitos
neurônios-alvo. Cada um desses neurônios computará essa minúscula contribuição
em meio às milhares de outras que também recebe, decidindo se dispara ou não.
Há cerca de mil tipos de células diferentes no encéfalo, mas mesmo
células similares podem produzir diferentes ações devido à forma como se
interconectam, o que explica a complexidade desse órgão.
A mente humana é um amálgama das diversas funções cognitivas do
encéfalo, que além das sensações e movimentos, envolve atenção, processamento
visuoespacial, funções executivas (antecipação, solução de problemas e tomada
de decisões), emoções (motivação/inibição), sem esquecer da memória e da
linguagem.
O Homo sapiens adquiriu essas capacidades ao longo da evolução por
seleção natural, seleção essa que, ao contrário do que muitos pensam, não
deixou de atuar sobre as populações humanas – mutações ocorrem o tempo todo –
embora algumas pressões seletivas tenham sido efetivamente suprimidas no
contexto das sociedades organizadas.
Mas aonde isso nos leva?
Uma preocupação crescente nos últimos anos é saber como o encéfalo
humano está lidando com o novo ambiente onipresente das tecnologias digitais de
comunicação – que, muito embora tenha revolucionado nossas vidas, cada vez
consome mais tempo e envolvimento das pessoas, pelo menos daquelas que têm
condições financeiras de acessá-lo (a maioria da humanidade nem sonha com
isso).
O ambiente de hoje não tem precedentes, e, entre os principais
responsáveis pelas mudanças comportamentais são apontadas a internet –
especialmente as redes sociais – e os videogames interativos. E embora haja
aspectos positivos nesses recursos, suas limitações ficam exacerbadas com o uso
prolongado, que também promove o estresse ou mesmo a dependência (análoga ao
efeito de drogas). O chamado Transtorno de Dependência da Internet pode
integrar a próxima edição do Manual dos Transtornos Psiquiátricos (DSM-5).
Até pouco tempo atrás essas eram meras opiniões subjetivas, mas agora
começam a aparecer as primeiras evidências de estudos com usuários pesados:
redução da atenção, diminuição de empatia, perda da identidade e autoestima,
aumento do estresse e da depressão e diminuição da aversão ao risco, aumento da
obesidade.
Alguns desses fatores já foram correlacionadas com micromodificações
nos encéfalos dos usuários, mas isso não quer dizer muito, pois nossos
encéfalos sempre se reorganizam plasticamente quando interagem com o mundo – é
exatamente para isso que existem. Mesmo assim, já justifica que novos estudos
sejam realizados.
A solidão ou a ilusão de companhia experimentada por muitos de nós no
oceano de indivíduos sem identidade da grande rede é, sobretudo, fruto da forma
como a utilizarmos.
A comunicação mútua até existe, mas várias de suas dimensões
simplesmente desaparecem, pois, afora o uso da palavra escrita, a comunicação
humana também emprega – e com maior impacto – o contacto visual, a linguagem
corporal não verbal, as variações na entonação e volume da voz, e o próprio
contacto físico direto (toque, abraço, etc.).
Nenhuma dessas dimensões extras está disponível no Facebook, diz Susan
Greenfield, uma das principais críticas dessa tendência. Talvez seja hora de
refletirmos sobre como lidar com essa realidade inédita, e nunca é demais um
lembrete acerca de nossa frágil humanidade, quase sempre a nos escapar entre os
dedos...
Fonte: Scientific American.
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