Já faz um bom tempo que eu não escrevia, mas pouco antes do fim do ano
eu não poderia deixar de escrever algo. Então decidi falar sobre a história de
todos nós, nossas alegrias, nossas tristezas, os arrependimentos, as grandes
viradas, os grandes retornos, nossas certezas, nossas dúvidas, nossas
lembranças e as coisas que gostaríamos de esquecer.
Quando chegamos ao mundo, não sabemos de onde viemos e nem para onde
vamos, e ainda assim vivemos como se nunca fossemos morrer.
Na infância nossos sonhos são mais simples, queremos brincar, ter
amigos, tirar boas notas, comer coisas gostosas, ganhar um animalzinho, e temos
algo maravilhoso, um presente da infância: a inocência. Mas a vida vai seguindo
seu curso e a inocência vai nos abandonando aos poucos. Um pouco dela se perde
em cada trajeto da vida. Cada vez em que observamos uma ação desonesta, cada
vez que descobrimos que nem tudo é o que parece, cada vez que nos surpreendemos
com os acontecimentos próprios da nossa existência.
Na fase adulta da vida nós nos deparamos com o choque de realidade: sonhos
custam dinheiro, dinheiro segregam pessoas, pessoas podem destruir nossas
vidas. Talvez nessa fase você descubra que não se tornou tudo aquilo que você
acreditava que poderia ser, talvez aquela pessoa especial tenha se transformado
num pesadelo ou talvez ela nunca tenha aparecido. Então você descobre que muito
daquilo que seus pais te ensinaram não acontece no mundo real, e que talvez nem
mesmo eles consigam ser tão bons quanto eles gostariam de ser. Quantas vezes
eles olharam nos olhos brilhantes de seus filhos e mentiram, mentiram para
preservar, para não causar dor, para enfeitar os caminhos deles, e talvez em
algum momento de sua vida, você também tenha que mentir para seus filhos. Assim
como mentiram para os seus pais.
É também na fase adulta que nós descobrimos que o tempo é curto, e a
matemática da vida entra em ação com força total. Temos que trabalhar (no mínimo 8 horas por
dia), dormir (médicos recomendam oito horas de sono), ir e voltar do trabalho
(cerca de duas horas), tomar banho, café da manhã, almoçar e jantar (todo esse
processo leva cerca de 3 horas no total). E a conta chega a esse resultado:
8+8+2+3=21 horas. Então temos a infeliz descoberta de que sobra pouco tempo
para fazermos as coisas de que gostamos.
Ainda na fase adulta descobrimos algumas das maiores tristezas da
vida, a morte de pessoas que amamos. Nessa fase algumas das pessoas que amamos
começam a nos deixar, e nós começamos a entender que um dia será a nossa vez. Nossos
pais começam a envelhecer e a hierarquia das gerações começa a se refazer,
empurrando quem estava abaixo para cima.
Junto com a idade adulta chegam as preocupações, preocupação com o
futuro, com o pagamento das contas, com os familiares, com nossas metas, com
nosso trabalho, com a falta de tempo, com a nossa aparência, com a nossa saúde,
com o sentido da vida, com a existência de Deus, enfim, preocupações não
faltam.
Por fim chegamos à terceira idade, isso se tivermos essa sorte. Um
belo dia olhamos no espelho e vemos que o tempo levou quase tudo de nós. O
tempo leva a beleza, as pessoas, a saúde... e começamos a nos tornar um pouco
mais tristes e amargos. Afinal até chegar aqui trilhamos um longo caminho, onde
assistimos e passamos por muitas coisas. O idoso já viu algumas das pessoas
mais importantes de sua vida morrer, já teve muitas decepções, sua saúde já
esta frágil e ele sabe que seu fim esta próximo.
Depois de refletirmos sobre todo lado prático da vida, pensamos então:
afinal o que é a vida?
A vida é uma somatória de sentimentos, sejam eles bons ou ruins. É um
conjunto de experiências, bem sucedidas ou não. É uma história contada, que
fala sobre o amor, a luta, a força, a fé, a superação, a dor, é uma história de
vida.
Dentro das partes que compõem esta história esta cada momento vivido,
cada pequena coisa, cada olhar, cada sorriso, cada recusa, cada lágrima, cada
emoção, cada segundo de expectativa e cada eternidade da espera.
Então feche os olhos por um instante e lembre-se da primeira vez que
você viu aquela pessoa especial, lembre-se da ansiedade de revê-la, da
expectativa à espera de um telefonema, lembre-se dos olhares trocados, dos
beijos cheios de emoção, do toque suave da pele, e da tristeza do adeus. Lembre-se
da expectativa da possibilidade do reencontro, como você passava horas
imaginando o dia que reencontrasse essa pessoa, talvez você desejasse a
reencontrar, talvez não, mas com certeza em algum momento você imaginou isso.
Lembre-se do conforto que o abraço da sua mãe trazia para o seu corpo,
lembre-se de todas as vezes que ela te consolou e te deu força. Lembre-se da
alegria de passar as tardes brincando na casa de sua avó, da sua alegria ao
ganhar seu primeiro bichinho. Lembre-se
de seus amigos do colegial e das horas que vocês passaram rindo a toa e falando
bobagens e como isso era legal. Lembre-se da dúvida da escolha de profissão, e
do quanto você estudou para chegar lá, das horas de dedicação para se destacar.
Lembre-se do seu primeiro emprego e no tanto que você se esforçava para
aprender e desenvolver o melhor que podia. Da primeira festa que você foi
sozinho e na bronca que levou por chegar tarde. Lembre-se da sua primeira
amizade desfeita e em como você ficou aborrecido com isso. Do seu primeiro
porre e em como você disse para você mesmo que nunca mais beberia. Lembre-se do
quanto você não se importava com a sua aparência quando era criança, e no
quanto você se importa hoje. Lembre-se da primeira vez que você disse eu te
amo, e em como isso foi libertador. Lembre-se da saudade que você sentiu do seu
pai enquanto ele estava trabalhando num dia chuvoso. Da primeira briga com seus
irmãos e em como vocês relevavam tudo com uma facilidade incrível e num tempo
recorde. Lembre-se de como você ficou chateado quando seu amigo começou a
namorar e não tinha mais tempo para você, e lembre-se também de quando você fez
isso com seus amigos. Lembre-se do medo que você sentiu quando saiu de casa e
da primeira vez que sua família foi te visitar em sua casa nova. Lembre-se do
orgulho de sua primeira promoção. Da primeira briga que você se arrependeu de
ter tido e de como você se sentiu bobo por ter brigado. Lembre-se da primeira
vez que você se maravilhou com uma fogueira numa noite estrelada. De sua
primeira espinha e da vergonha que você sentiu. Da sua primeira viagem, das
musicas que você cantou no caminho e a euforia que você ficou até chegar ao
destino final. Lembre-se da primeira vez que você disse não quando na verdade
queria dizer sim, e de como você teve que aprender a disfarçar seus sentimentos
reais. Lembre-se da primeira justificativa que você teve que dar para alguma
atitude que você teve. Da primeira vez que você “lavou as mãos” sobre algum
acontecimento. Lembre-se da vez em que você se sentiu sozinho e triste, e em
como surgiu alguém para te tirar do desalento. Olhe para o rosto de seus filhos
e veja a maravilha que você fez, pense que eles não existiriam se não fosse
você. Agora abrace seus pais, porque você não existiria se não fossem eles. Lembre-se
de quando você viu sua vida na vida de outra pessoa, do quanto você se sentiu
abençoado por ter alguém tão especial em sua vida e em todas as promessas de
amor que vocês trocaram. O resultado da soma de todas as emoções que você
sentiu em cada um dos momentos em que você viveu é a sua história de vida, como
você reagiu a cada momento é o resultado do caráter que você formou, o que você
fez com cada momento é o legado que você um dia vai deixar para trás.
Agora olhe para os seus avós e tente imaginar a história deles; eles
foram crianças, tiverem suas grandes “missões” no parquinho, ficavam felizes em
tomar sorvete de chocolate. Cresceram, foram para o mundo cheios de sonhos e
alguns desses sonhos viraram realidade e outros não. Pense nos sacrifícios que
eles tiveram que fazer em prol de um bem maior. Pense no quanto eles
trabalharam, nas vezes em que foram humilhados e nas outras em que foram
elogiados. Pense nos amores que eles viveram, nas amizades que construíram. Pense
em tudo o que eles sabiam e tentaram transmitir para seus filhos e netos, e
pense que aos poucos tudo o que eles conheciam foi se transformando e em algum
momento seus netos começaram a os ensinar. Pense na troca de papéis, depois de
uma vida inteira cuidando dos outros, agora eles são cuidados. Por tudo isso eu
sugiro que vocês olhem para seus avós, que ouçam as suas histórias, que sejam
gentis com eles e que os amem. Você tem sua história de vida e eles tiveram as deles.
Dedico este post para minha amada vozinha, ela nos deixou há pouco
tempo, mas sua história de vida estará sempre em nós, afinal somos o resultado
da vida dela.
Texto por Sarah de Andrade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário