A autora explica ao público leigo o transtorno de personalidade
borderline, um dos transtornos mais desconhecidos e ao mesmo tempo o mais
estudado da atualidade. Os borderlines são pessoas para quem tudo é
"muito", as emoções são sempre exageradas. São reconhecidos por suas
explosões de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor,
ciúmes, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo da rejeição,
insatisfação pessoal.
Antes de descrever o que é o transtorno de personalidade borderline é
preciso compreender o que é uma personalidade propriamente dita. Todos nós
temos, de forma quase intuitiva, a noção do que seja a personalidade de alguém:
é aquele "jeitão" ou a forma leiga que costumamos perceber e até
mesmo descrever uma pessoa e, por vezes, nós mesmos. Esse "jeitão"
costuma demonstrar de que maneira um indivíduo se comporta frente às diversas
situações da vida.
Analisa quando comportamentos extremos passam a ser frequentes
De forma bem abrangente, a personalidade é um conjunto de padrões de
pensamentos, sentimentos e comportamentos que uma pessoa apresenta ao longo de
sua existência. Somos a nossa personalidade e é assim que nos apresentamos ao
mundo. Ela é o nosso cartão de visitas; a maneira pela qual cada um de nós
consegue sentir o mundo ao redor e a si mesmo. É a nossa individualidade, o que
nos distingue do outro.
Para se ter uma ideia da complexidade de uma personalidade, basta
imaginarmos quantos sentimentos experimentamos em questão de segundos, e
quantos pensamentos são gerados a partir desses sentimentos. E mais: quantos
comportamentos podemos apresentar, derivados de um único pensamento. Assim,
fica claro que um simples sentimento é capaz de desencadear uma cascata de
atividade mental, que se multiplica de forma exponencial dentro de cada um de
nós. A questão fica bem mais dinâmica e sofisticada se imaginarmos também
quantos sentimentos diferentes podemos ter. Não me refiro apenas aos básicos e
bem-definidos, que somos capazes de nomear (como felicidade, tristeza,
angústia, ciúmes, inveja, compaixão), mas sim a uma mistura deles, entrelaçados
e tão pessoais que nos faltam palavras para descrevê-los.
Imaginou tudo isso até aqui? Então, agora, multiplique tais sentimentos
por um número aleatório de pensamentos que eles podem gerar, e depois considere
também um número para os comportamentos desencadeados por esses processos. O
mecanismo mental de sentir, pensar e agir pode abranger uma quantidade
incalculável de combinações, e essa matemática de possibilidades ilimitadas nos
individualiza e determina quem somos e quem podemos ser durante toda a nossa
existência. Esta é a nossa persona; a nossa personalidade.
Cada indivíduo pode experimentar sentimentos, pensamentos e comportamentos
que nem sequer imaginamos. Somos únicos entre bilhões de outros seres humanos.
Esta é a complexidade da mente e da personalidade humana, infinitamente
sedutora e, ao mesmo tempo, desafiadora. É preciso entender como as pessoas
funcionam para que as relações interpessoais possam ser harmoniosas e
transcendentes.
A personalidade é a combinação dinâmica do temperamento e do caráter
de um determinado indivíduo. Mas o que vem a ser isso exatamente?
O temperamento pode ser definido como a parte biológica da
personalidade, que é herdada geneticamente. Normalmente, ainda no berço, as
mães já notam diferenças de temperamento entre seus filhos. Enquanto um deles
pode solicitar a atenção dos pais, chorar com frequência e reagir prontamente
aos estímulos, o outro filho pode ser mais independente, observador e
introspectivo. Sendo assim, mesmo antes da influência cultural e de eventos
significativos da vida, já existe a tendência de um indivíduo se comportar de
acordo com suas heranças biológicas.
O caráter, por sua vez, constitui a parte da personalidade moldada
pelo aprendizado social, cultural e por acontecimentos vitais marcantes. Como
exemplo, cito o caso de irmãos gêmeos idênti cos, ou seja, com a mesma
genética, que viveram em ambientes distintos. Digamos que um deles foi criado
por uma família de bom nível socioeconômico, não sofreu maus-tratos e os papéis
(pai, mãe e filhos) eram bem-definidos; enquanto o outro cresceu em uma família
desestruturada e foi abusado sexualmente por um vizinho. Apesar das semelhanças
biológicas (mesma genética), cada um desses irmãos tenderá a reagir de forma
diversa frente às adversidades ou alegrias da vida. Sendo assim, apresentarão
personalidades bem diferentes.
Diante do exposto, é possível perceber que classificar personalidades
humanas não é uma tarefa tão simples assim. No entanto, isso é algo
absolutamente necessário para que nosso entendimento da natureza humana possa
avançar. Somente dessa maneira, por meio do conhecimento, seremos capazes de
aliviar dores, angústias, incertezas, sofrimentos e injustiças que norteiam a
nossa existência. Nenhum homem é uma ilha, somos seres sociais. Existir é,
portanto, navegar em águas desconhecidas, que somos nós mesmos e nossos
semelhantes. Viver, sem dúvida, é navegar no mar das personalidades.
Então, como podemos classificar um tipo de personalidade? Como dito
anteriormente, a personalidade é um conjunto de padrões de pensamentos,
sentimentos e comportamentos que tendem a se repetir em uma pessoa ao longo de
sua vida. Quando um padrão sentir/pensar/agir é apresentado por diversas
pessoas de forma estatisticamente relevante na população geral, passa a ser uma
personalidade classificável.
Embora todos nós sejamos dotados dessa identidade psicológica
conhecida como personalidade, manifestada de modo único em cada um de nós,
existem algumas características predominantes que nos enquadram num determinado
tipo. Sendo assim, acabamos por nos tornar parecidos com certos indivíduos, que
apresentam o mesmo padrão de funcionamento mental. Um tipo de personalidade
reflete, em grande parte, a essência de uma pessoa, e um deles será objeto de
estudo neste livro.
Todos nós apresentamos momentos de explosões de raiva, tristeza,
impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego
afetivo, desespero, descontrole emocional, medo da rejeição, insatisfação
pessoal. E, quase sempre, isso gera transtornos e prejuízos para nós mesmos
e/ou para as pessoas ao nosso redor. Porém, quando esses comportamentos
disfuncionais apresentam-se de forma frequente, intensa e persistente, eles
acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação
do indivíduo ao seu ambiente social. Quando isso ocorre podemos estar diante de
um quadro bastante complexo, confuso e desorganizado, denominado transtorno de
personalidade borderline (TPB).
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