Um remédio que chegou este ano às farmácias americanas é o novo passo
da ciência na busca do amor eterno. E não é só. Especialistas acreditam que já
é possível acabar com a traição. Para tudo isso, basta manipular os hormônios e
genes certos.
Amor não é uma vontade incontrolável de ficar com seu amante o tempo
todo. O nome disso é serotonina. Amor não relaxa o corpo, cria laços e deixa os
apaixonados felizes. O nome disso é ocitocina. É dopamina. Biologicamente,
paixão é só um jato de hormônios e neurotransmissores disparado pelo cérebro. E
que viciam quase como droga - as áreas de prazer e recompensa ativadas são as
mesmas. Mas uma hora cansa. Quando a festa hormonal no cérebro acaba, o amor
chega ao fim.
Com isso em mente, os neurocientistas Julian Savulescu e Anders
Sandberg, da Universidade de Oxford, Reino Unido, iniciaram uma busca pela
ciência do amor eterno. Primeiro, eles analisaram dados de divórcio nos Estados
Unidos e viram que, todo ano, quase um milhão de casais se divorciam no país -
em média, 16 anos depois do casamento. Esse tempo de duração não é à toa,
segundo os cientistas. Há milhares de anos, o cérebro criou artimanhas químicas
para atrair casais, a fim de estimular a reprodução da espécie. Só que,
milhares de anos atrás, os humanos viviam cerca de 25, 30 anos. Ou seja, eles
passavam, no máximo, por volta de 15 primaveras juntos com alguém. Justamente
como a média de duração dos casamentos hoje nos EUA (e também no Brasil,
segundo o IBGE). Ou seja, do ponto de vista evolutivo, não é que os
relacionamentos estejam, necessariamente, durando menos. É que estamos vivendo
mais. "Nosso cérebro evoluiu há milhares de anos para lidar com relações e
problemas que faziam sentido naquele ambiente, em pequenas comunidades de caça
e coleta. É um sistema primitivo, com limitações", diz Brian Earp,
psicólogo e professor da Universidade de Oxford, que integra a equipe de
Savulescu e Sandberg. Segundo eles, até hoje nosso corpo segue essa regra. A
culpa dos casamentos durarem pouco, portanto, é dos hormônios e
neurotransmissores. Ou melhor, da falta deles. Afinal, são eles que acionam o
sistema de recompensa do cérebro e desencadeiam a sensação de prazer e
felicidade do amor correspondido.
Mas se depender desse grupo de cientistas, isso vai mudar. A ideia
deles é incentivar a produção de remédios que supram a escassez dessas
substâncias. Para isso, estudam o papel delas no amor, a fim de descobrir como
sua falta atrapalha os relacionamentos e como seria benéfico aumentar de novo
suas doses no corpo. Porém, enquanto eles cuidam da parte teórica, outro grupo
já pôs as ideias em prática. O remédio do amor vem em um recipiente de 7,5 ml,
com conta-gotas, ou sob a forma de spray nasal. A ocitocina está no ar.
HORMÔNIO DA PAZ
O sistema límbico do cérebro, responsável pelas sensações e
sentimentos, produz ocitocina naturalmente, seja em um abraço, seja na hora do
orgasmo, amamentação ou durante o parto, estimulando as contrações uterinas.
Ela aparece ainda como a substância química responsável pelo sentimento de
conexão entre as pessoas. Um estudo da Universidade de Bar-Ilan, de Israel,
acompanhou 60 casais e mediu o nível do hormônio no sangue deles. Meses antes
de terminar o relacionamento, eles mostravam uma queda na quantidade de
ocitocina.
Em 2010,o psiquiatra americano Bryan Post decidiu sintetizar e
engarrafar o hormônio, batizando-o de Oxytocin Factor. "Ao longo da minha
profissão, vi pessoas tomando remédios para depressão que nem sempre
funcionavam. Quando comecei as pesquisas com ocitocina, sabia que poderia ser
valioso", diz. E os riscos? "Não é tóxica, não faz mal e não vira um
vício, já que não desperta uma vontade contínua de uso", diz a
neuroendocrinologista e especialista em monogamia Sue Carter. "Mas eu não
aconselharia o uso. Faltam estudos". A ABC Nutriceutical, empresa de Bryan
Post que fabrica o produto, cita alguns efeitos colaterais, como alergia, dor
de cabeça, convulsão e náuseas. Mas nem 1% dos usuários relatou problemas. Ele
já pode ser comprado em farmácias nos EUA e custa cerca de R$ 120.
O remédio não restaura a paixão. Nem chega perto disso. Mas
proporciona uma forte sessão de relaxamento (nós experimentamos. Leia mais
abaixo). E isso pode ajudar nos momentos mais tensos de uma relação. Com duas
borrifadas no nariz ou seis gotas debaixo da língua, o hormônio corre pelo
sistema sanguíneo e aos poucos entra no sistema nervoso central, reduzindo o
nível de cortisol (hormônio do estresse) no sangue. Aí é só calmaria.
EM BUSCA DO AMOR ETERNO
Se Post se contenta com esses resultados, a turma de Oxford quer
buscar tratamentos capazes de prolongar a festa do amor eterno. O plano é
intensificar os efeitos dessas substâncias no corpo. Além da ocitocina, uma das
peças-chave é a dopamina, neurotransmissor que dá a sensação de prazer e
bem-estar. "Ainda precisamos descobrir como fazer uma droga que acerte em
cheio o alvo, que ajude mesmo a contribuir na sensação de vínculo", diz
Earp. Um remédio assim precisa combinar o efeito calmante da ocitocina
sintética com a euforia da dopamina. Aí teríamos algo que realmente emula a
sensação de estar apaixonado.
Até a infidelidade está sob a mira da ciência. Segundo pesquisas, um
gene ligado à recepção de neurotransmissores de vasopressina pode dizer se
alguém é fiel ou não. Você não resiste à tentação, pula a cerca, mas quer
parar? Por que não curar esse problema? Em ratos, pelo menos, deu certo. Em um
estudo da Universidade Emory, EUA, os cientistas separaram animais da mesma
espécie: promíscuos de um lado, monogâmicos de outro. Depois, colocaram os
genes fiéis no DNA dos ratos mais malandros. Funcionou. Eles passaram mais
tempo com a parceira do que na gaiola de estranhas. Fique esperto, Ricardão. A
equipe de Brian Earp não descarta essa solução para humanos.
Mas ainda não há data para esses tratamentos virarem realidade. Mesmo
na teoria científica, o assunto ainda é escasso. A pesquisa dos americanos é
uma das primeiras a pensar em drogas voltadas para prolongar os
relacionamentos. "A pergunta é: o que vai ser possível nos próximos dez
anos? Não sei prever, mas acho que já vamos ter avançado bastante nesse
assunto", diz Earp.
Talvez a pergunta seja outra: até onde o amor eterno é bom? Como
ficariam os sambas, os romances, os filmes? Se não houvesse traição, não
existiria Odair José nem Beatles. O jovem Werther, de Goethe, não teria tantos
sofrimentos. Toda a arte seria outra. E o aprendizado de cada pé na bunda? Sem
contar os possíveis riscos. Desde a criação das drogas da felicidade, ficou
mais fácil se encaixar em uma doença mental: ansiedade, bipolaridade, déficit
de atenção, hiperatividade. Quase 10% dos americanos com mais de seis anos
tomam algum tipo de antidepressivo. As drogas do amor talvez entrem nesta mesma
onda. Até a ideia de distribuição proposta pela equipe da Universidade de
Oxford é parecida: no futuro, com a evolução da droga, ela não deve ser
distribuída sem critério, mas apenas com receitas de psiquiatra. A dor de
cotovelo, finalmente, teria outro tratamento. Além daquele outro, infalível,
mesmo que tantas vezes demorado: o tempo.
Fonte: Superinteressante.
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