domingo, 11 de novembro de 2012

Crer ou não crer?


Não são poucas as pessoas que se consideram céticas, mas espiam o horóscopo ou evitam, de todo jeito, passar debaixo de uma escada. Seria paradoxal? De acordo com Shermer, nosso cérebro contaria com uma espécie de compartimento para crenças e outro para nosso lado mais pé no chão. “A racionalidade que usamos em alguns aspectos da vida, como no trabalho, nem sempre é utilizada em outros, como nossa postura diante do Universo, da política e de relacionamentos afetivos”, diz o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora. “Se todo mundo fosse totalmente cético, ninguém jogava na loteria”, exemplifica Teixeira. Ao levarmos isso para o domínio religioso, encontramos inúmeros casos de cientistas que acreditam em Deus. “Fé e razão podem ser conciliadas até porque dividem o mesmo cérebro. São irmãs”, diz Jorge Claudio Ribeiro, professor de ciências da religião da PUC-SP.
Há momentos, porém, que aguçam nosso lado espiritual ou supersticioso. Logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, o número de americanos que passaram a frequentar igrejas aumentou, segundo o instituto de pesquisa Barna, em 25% — o que, no entanto, durou apenas algumas semanas. O drama nem precisa ser coletivo. Pense em alguém acamado, deprimido ou frente a frente com um incêndio. “Quanto mais inesperada e difícil a situação, maior a tendência a nos comportarmos de modo supersticioso”, afirma Wellington Zangari, professor de psicologia da Universidade de São Paulo. Se por um lado crer nos dá forças para seguir adiante, por outro nos deixa mais vulneráveis. É por isso que Shermer alerta para a necessidade de termos em mente nossa queda por crendices. Afinal, ela pode, num contexto de fraqueza, nos tornar vítimas de charlatões.

Acreditar faz bem?
Chegamos a essa incontornável pergunta. “Centenas de estudos indicam que um maior envolvimento religioso está relacionado a menores índices de mortalidade, taxas mais baixas de depressão e uso de drogas e maior tempo de vida em doenças graves”, diz Moreira-Almeida. Um levantamento da Universidade Yeshiva, nos EUA, por exemplo, analisou dados de 92.395 mulheres e concluiu que as religiosas assíduas apresentaram uma redução de 20% no risco de mortalidade.
Há quem diga, no entanto, que o poder medicinal da fé se resume ao efeito placebo, a habilidade da mente de induzir melhoras diante de uma expectativa. Será? Neurologistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, perceberam, lançando mão de ressonância magnética, que a crença religiosa propicia um efeito analgésico ao regular processos cerebrais. Placebo ou não, o fato é que a dor diminui... quem não deseja isso num momento de aperto?
O perigo, contra o qual lutam céticos como Shermer, é negar a ciência e dar margem a pensamentos enganosos (e às vezes lucrativos para alguém). Na outra ponta, pode ser angustiante viver sob um ceticismo dogmático, que quer demolir tudo e se transforma, ele próprio, em uma visão extremista. Nesse mundo onde quase todo dia deparamos com um ou outro ponto de interrogação, resta a certeza de que trabalho não vai faltar para a máquina de crenças herdada do nosso longínquo ancestral.

Tá no sangue
Será que a vocação de cada um para a crença no sobrenatural ou em elementos religiosos estaria no DNA? “Há evidências de que o peso genético é decisivo e o ambiente cultural atuaria como um fornecedor de alternativas de crença”, diz o neurocientista Ricardo de Oliveira, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Mas como é possível medir isso? Estudos têm acompanhado gêmeos que vivem em ambientes diferentes para ver o quanto compartilhar os mesmos genes interfere na crença deles. Uma série dessas pesquisas, feitas na Universidade de Minnesota, concluem, por exemplo, que cerca de 40% da propensão a uma crença religiosa tem base genética. “Em tese, alguém criado numa família religiosa, mas sem essa base favorável à capacidade de crer, dificilmente preserva tal comportamento fora desse contexto”, analisa Oliveira.
Apesar de terem mecanismos em comum, religião e pensamentos mágicos não podem ser colocados no mesmo barco. “As emoções são mais intensas nas experiências espirituais, que transmitem uma maior sensação de realidade”, conta o neurologista Andrew Newberg, que tem 5 livros analisando cientificamente a crença. Já se observou, por meio de ressonância magnética, que os cérebros de pessoas religiosas e céticas têm diferentes padrões de ativação. “Em um trabalho que fizemos com pessoas que rezam e meditam, visualizamos isso em estruturas cerebrais como o tálamo, ligado à nossa competência de construir uma visão de mundo”, relata Newberg.
A fé também está sendo relacionada a mensageiros químicos que excitam os neurônios. Uma quantidade maior do neurotransmissor dopamina, por exemplo, normalmente vem acompanhada de uma predisposição aumentada a endossar crenças no sobrenatural. Em um trabalho do Hospital Universitário de Zurique, 40 pessoas (metade crentes e metade céticas) foram submetidas a imagens de rostos normais e alterados. Constatou-se que os crentes tendiam a enxergar menos as distorções, sinal de que têm maior capacidade de estender padrões para situações em que eles não existem. Na segunda parte da pesquisa, todos os voluntários tomaram uma dose de dopamina sintética. E, veja só: não é que eles passaram a considerar rostos deformados como normais mais vezes?! Sobretudo os céticos. “A dopamina está associada ao aprendizado e a recompensas. Se você se sente bem ao presenciar ou ver alguma coisa, ela fará com que você repita essa atitude”, explica Shermer, que também é professor da Universidade Claremont Graduate.
Outra substância associada à crença é a serotonina. Um estudo do Ph.D. em psiquiatria sueco Lars Fade mostrou por meio de scanners cerebrais que uma quantidade baixa de receptores de serotonina no cérebro está relacionada a pessoas que dizem ser mais religiosas. Mesmo diante de estudos como esses, ainda não há um consenso sobre um elo entre fé e neurotransmissores. Aliás, a polêmica discussão em torno da existência de um “gene de Deus” diz respeito à identificação de trechos do DNA que regulam justamente a fabricação dessas substâncias.

O peso do ambiente
Dá pra dizer então que as nossas crenças são definidas só pela nossa carga genética, certo? Errado. Tomemos como exemplo um daqueles estudos feitos pela Universidade de Minnesota, no qual mais de 250 pares de gêmeos responderam a perguntas sobre a frequência a cultos, orações e discussões teológicas em suas vidas. Quando os gêmeos eram mais novos e conviviam com outros membros da família, todos apresentavam um nível de espiritualidade parecido, demonstrando forte influência do ambiente; na idade adulta, somente os gêmeos univitelinos (que têm carga genética semelhante) continuavam compartilhando os mesmos índices. “Crenças partilhadas no meio em que nos desenvolvemos são tomadas como naturais, enquanto as cultivadas por outros grupos nos parecem improváveis”, analisa o cientista cognitivo da religião Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinque, na Finlândia.
É por isso que alguns pesquisadores têm certo receio dessa onda recente de determinismo em relação à fé e ao pensamento. “Assim como a ciência já sabe que o ambiente interfere na atividade de genes e predispõe doenças, a capacidade de crer parece ser moldada pela combinação de fatores biológicos e culturais”, avalia Teixeira, que também é Ph.D. em ciência cognitiva.
Por falar em influência, já parou para pensar no poder da mídia sobre as crenças? Glenn Sparks, professor de comunicação da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, avaliou o impacto da série Arquivo X sobre uma audiência aleatória de 200 americanos. Ele constata que os espectadores, ao acompanharem a série, se tornaram mais dispostos a dar crédito a fenômenos sobrenaturais e conspiratórios. “As representações ficcionais buscam ser verossímeis, tornando-nos propensos a acreditar que aqueles eventos são plausíveis na TV e fora dela”, diz Sparks. É por isso que até alguém mais cético pode ficar com a pulga atrás da orelha após ver filmes que tratem de exorcismos, aparições do além...

 Fonte: Galileu.

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