Não são poucas as pessoas que se consideram céticas, mas espiam o
horóscopo ou evitam, de todo jeito, passar debaixo de uma escada. Seria
paradoxal? De acordo com Shermer, nosso cérebro contaria com uma espécie de
compartimento para crenças e outro para nosso lado mais pé no chão. “A
racionalidade que usamos em alguns aspectos da vida, como no trabalho, nem
sempre é utilizada em outros, como nossa postura diante do Universo, da
política e de relacionamentos afetivos”, diz o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida,
da Universidade Federal de Juiz de Fora. “Se todo mundo fosse totalmente
cético, ninguém jogava na loteria”, exemplifica Teixeira. Ao levarmos isso para
o domínio religioso, encontramos inúmeros casos de cientistas que acreditam em
Deus. “Fé e razão podem ser conciliadas até porque dividem o mesmo cérebro. São
irmãs”, diz Jorge Claudio Ribeiro, professor de ciências da religião da PUC-SP.
Há momentos, porém, que aguçam nosso lado espiritual ou supersticioso.
Logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, o número de americanos que
passaram a frequentar igrejas aumentou, segundo o instituto de pesquisa Barna,
em 25% — o que, no entanto, durou apenas algumas semanas. O drama nem precisa
ser coletivo. Pense em alguém acamado, deprimido ou frente a frente com um
incêndio. “Quanto mais inesperada e difícil a situação, maior a tendência a nos
comportarmos de modo supersticioso”, afirma Wellington Zangari, professor de
psicologia da Universidade de São Paulo. Se por um lado crer nos dá forças para
seguir adiante, por outro nos deixa mais vulneráveis. É por isso que Shermer
alerta para a necessidade de termos em mente nossa queda por crendices. Afinal,
ela pode, num contexto de fraqueza, nos tornar vítimas de charlatões.
Acreditar faz bem?
Chegamos a essa incontornável pergunta. “Centenas de estudos indicam
que um maior envolvimento religioso está relacionado a menores índices de
mortalidade, taxas mais baixas de depressão e uso de drogas e maior tempo de
vida em doenças graves”, diz Moreira-Almeida. Um levantamento da Universidade
Yeshiva, nos EUA, por exemplo, analisou dados de 92.395 mulheres e concluiu que
as religiosas assíduas apresentaram uma redução de 20% no risco de mortalidade.
Há quem diga, no entanto, que o poder medicinal da fé se resume ao
efeito placebo, a habilidade da mente de induzir melhoras diante de uma
expectativa. Será? Neurologistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra,
perceberam, lançando mão de ressonância magnética, que a crença religiosa
propicia um efeito analgésico ao regular processos cerebrais. Placebo ou não, o
fato é que a dor diminui... quem não deseja isso num momento de aperto?
O perigo, contra o qual lutam céticos como Shermer, é negar a ciência
e dar margem a pensamentos enganosos (e às vezes lucrativos para alguém). Na
outra ponta, pode ser angustiante viver sob um ceticismo dogmático, que quer
demolir tudo e se transforma, ele próprio, em uma visão extremista. Nesse mundo
onde quase todo dia deparamos com um ou outro ponto de interrogação, resta a
certeza de que trabalho não vai faltar para a máquina de crenças herdada do
nosso longínquo ancestral.
Tá no sangue
Será que a vocação de cada um para a crença no sobrenatural ou em
elementos religiosos estaria no DNA? “Há evidências de que o peso genético é
decisivo e o ambiente cultural atuaria como um fornecedor de alternativas de
crença”, diz o neurocientista Ricardo de Oliveira, do Instituto D’Or de
Pesquisa e Ensino. Mas como é possível medir isso? Estudos têm acompanhado
gêmeos que vivem em ambientes diferentes para ver o quanto compartilhar os
mesmos genes interfere na crença deles. Uma série dessas pesquisas, feitas na
Universidade de Minnesota, concluem, por exemplo, que cerca de 40% da propensão
a uma crença religiosa tem base genética. “Em tese, alguém criado numa família
religiosa, mas sem essa base favorável à capacidade de crer, dificilmente
preserva tal comportamento fora desse contexto”, analisa Oliveira.
Apesar de terem mecanismos em comum, religião e pensamentos mágicos
não podem ser colocados no mesmo barco. “As emoções são mais intensas nas
experiências espirituais, que transmitem uma maior sensação de realidade”,
conta o neurologista Andrew Newberg, que tem 5 livros analisando
cientificamente a crença. Já se observou, por meio de ressonância magnética,
que os cérebros de pessoas religiosas e céticas têm diferentes padrões de
ativação. “Em um trabalho que fizemos com pessoas que rezam e meditam,
visualizamos isso em estruturas cerebrais como o tálamo, ligado à nossa
competência de construir uma visão de mundo”, relata Newberg.
A fé também está sendo relacionada a mensageiros químicos que excitam
os neurônios. Uma quantidade maior do neurotransmissor dopamina, por exemplo,
normalmente vem acompanhada de uma predisposição aumentada a endossar crenças
no sobrenatural. Em um trabalho do Hospital Universitário de Zurique, 40
pessoas (metade crentes e metade céticas) foram submetidas a imagens de rostos
normais e alterados. Constatou-se que os crentes tendiam a enxergar menos as
distorções, sinal de que têm maior capacidade de estender padrões para
situações em que eles não existem. Na segunda parte da pesquisa, todos os
voluntários tomaram uma dose de dopamina sintética. E, veja só: não é que eles
passaram a considerar rostos deformados como normais mais vezes?! Sobretudo os
céticos. “A dopamina está associada ao aprendizado e a recompensas. Se você se
sente bem ao presenciar ou ver alguma coisa, ela fará com que você repita essa
atitude”, explica Shermer, que também é professor da Universidade Claremont
Graduate.
Outra substância associada à crença é a serotonina. Um estudo do Ph.D.
em psiquiatria sueco Lars Fade mostrou por meio de scanners cerebrais que uma
quantidade baixa de receptores de serotonina no cérebro está relacionada a
pessoas que dizem ser mais religiosas. Mesmo diante de estudos como esses,
ainda não há um consenso sobre um elo entre fé e neurotransmissores. Aliás, a
polêmica discussão em torno da existência de um “gene de Deus” diz respeito à
identificação de trechos do DNA que regulam justamente a fabricação dessas substâncias.
O peso do ambiente
Dá pra dizer então que as nossas crenças são definidas só pela nossa
carga genética, certo? Errado. Tomemos como exemplo um daqueles estudos feitos
pela Universidade de Minnesota, no qual mais de 250 pares de gêmeos responderam
a perguntas sobre a frequência a cultos, orações e discussões teológicas em
suas vidas. Quando os gêmeos eram mais novos e conviviam com outros membros da
família, todos apresentavam um nível de espiritualidade parecido, demonstrando
forte influência do ambiente; na idade adulta, somente os gêmeos univitelinos
(que têm carga genética semelhante) continuavam compartilhando os mesmos
índices. “Crenças partilhadas no meio em que nos desenvolvemos são tomadas como
naturais, enquanto as cultivadas por outros grupos nos parecem improváveis”,
analisa o cientista cognitivo da religião Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de
Helsinque, na Finlândia.
É por isso que alguns pesquisadores têm certo receio dessa onda
recente de determinismo em relação à fé e ao pensamento. “Assim como a ciência
já sabe que o ambiente interfere na atividade de genes e predispõe doenças, a
capacidade de crer parece ser moldada pela combinação de fatores biológicos e
culturais”, avalia Teixeira, que também é Ph.D. em ciência cognitiva.
Por falar em influência, já parou para pensar no poder da mídia sobre
as crenças? Glenn Sparks, professor de comunicação da Universidade Purdue, nos
Estados Unidos, avaliou o impacto da série Arquivo X sobre uma audiência
aleatória de 200 americanos. Ele constata que os espectadores, ao acompanharem
a série, se tornaram mais dispostos a dar crédito a fenômenos sobrenaturais e
conspiratórios. “As representações ficcionais buscam ser verossímeis,
tornando-nos propensos a acreditar que aqueles eventos são plausíveis na TV e
fora dela”, diz Sparks. É por isso que até alguém mais cético pode ficar com a
pulga atrás da orelha após ver filmes que tratem de exorcismos, aparições do
além...
Fonte: Galileu.
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