quinta-feira, 21 de março de 2013

A história sangrenta da medicina


A ASSUSTADORA HISTÓRIA DA MEDICINA
Seu medo de ir ao médico tem remédio. Depois de ler esta matéria, você vai dar graças a Deus por ter consulta marcada com um profissional do século 21. Até a alguns séculos, o conhecimento da medicina era mais instintivo do que documentado, os utensílios pareciam saídos de filmes de terror e recursos como esterilização e anestesia eram meras sugestões. Esta é, literalmente, uma história de sangue, suor e lágrimas – e cabia aos pacientes fornecer o primeiro e o último.
BURACO NA CABEÇA
EGITO - 3000 a.C.
Egípcios se especializaram no primeiro tipo de cirurgia de que se tem registro.
1) Praticada desde a Pré-História, a trepanação foi o primeiro tipo de cirurgia conhecido. Era comum na Índia, na China, na África e no Peru. Em torno de 3000 a.C., os egípcios se tornaram experts nesse procedimento porque conheciam bem o cérebro humano graças às mumificações. Ele servia para diminuir a pressão intracraniana, retirar coágulos, curar enxaqueca ou insanidade e até mesmo para “expelir maus espíritos”.
2) O tratamento consistia em furar o crânio, arrancar um pedaço do osso até a altura da membrana que recobre o cérebro, mas sem penetrar na camada chamada dura- máter. O tamanho, a quantidade de buracos e os instrumentos utilizados variaram com o tempo, mas os egípcios gostavam de usar uma broca e uma espátula para fazer de um a três rombos com cerca de 2 cm de diâmetro. E sem anestesia!
3) Depois da cirurgia, o paciente usava uma bandagem de linho, mas os buracos ficavam lá pelo resto da vida. “O couro cabeludo e o cabelo voltam a crescer sobre parte da abertura, mas a pessoa nunca mais volta a ter osso naquele ponto”, diz Lara Frame, antropóloga norte-americana da East Carolina University. Na Roma antiga, o osso era moído e diluído em bebida – considerado um remédio revitalizante.
FURA O ZÓIO
PAÍSES ÁRABES - SÉCULO 12
Muçulmanos faziam operações oftalmológicas com agulhas cegas.
1) Se você tivesse problemas de visão durante a Alta Idade Média, não haveria melhor lugar para se tratar do que nos países árabes. Mestres na fabricação de óculos desde o século 8, “os médicos muçulmanos desenvolveram técnicas de raspagem semelhantes às usadas hoje para tratar a catarata”, afirma Emilie Savage-Smith, professora de história da ciência islâmica.
2) Eles evitavam ao máximo fazer cirurgias, mas, em casos extremos, recorriam a centros hospitalares em Bagdá, em Damasco e no Cairo. Sentado de modo que seu rosto ficasse na altura do rosto do médico, o paciente era imobilizado por três assistentes e recebia pequenos ganchos nas pálpebras para não piscar. Então, o cirurgião usava uma agulha sem ponta para penetrar o globo ocular e raspar o cristalino, a “lente” que regula o foco.
3) Depois, ele retirava a agulha e o paciente avaliava, olhando para a parede, se a visão estava mais nítida. O processo era repetido três ou quatro vezes. Aí, a região era lavada com água salgada e o operado repousava por até uma semana. A técnica pode parecer radical, mas funcionava – textos islâmicos foram traduzidos para o latim, influenciaram a medicina europeia durante o Renascimento e são estudados até hoje.
Os islâmicos foram os primeiros a discordar do grego Hipócrates, que dizia que a imagem se formava no ar e chegava pronta ao olho.
PITANGUY DA RENASCENÇA
ITÁLIA - SÉCULO 16
Cirurgias plásticas não são novidade. Elas já enriqueciam médicos há cerca de 500 anos.
1) Já no século 6 a.C., o indiano Sushruta, primeiro cirurgião conhecido da história, assinou obras descrevendo o processo de reconstituição ou alteração do rosto. Seu método mais famoso era a reconstituição do nariz, que era talhado com uma lâmina e depois recoberto com pele do queixo. Mas foi na itália do século 16 que a técnica atingiu uma sofisticação inédita.
2) Em geral, quem exigia o serviço eram homens vítimas de agressão, facada ou tiro e também quem tinha sífilis avançada (a doença desfigurava o rosto, expondo a pessoa à vergonha pública). O médico começava “refazendo” o nariz antigo (ou o que havia sobrado dele) com um bisturi rudimentar. E, claro, tudo sem anestesia. No máximo, ele recomendava uma dose forte de bebida.
3) Com o novo órgão esculpido em carne viva, o cirurgião desenhava um prisma, no tamanho certo, na parte interna do braço do paciente. Com uma faca afiada, ele cortava a figura, exceto em uma das pontas. Como era preciso levar junto com esse enxerto os vasos sanguíneos, restava um buraco profundo no braço do paciente, que era preenchido com ataduras.
4) Gaspare Tagliacozzi, que inventou a técnica, batizou o pedaço de pele cortada de pendículo. Ele era usado para cobrir o nariz, devidamente afixado com suturas nas laterais. Como ainda estava ligado ao organismo (na extremidade não cortada no braço), ele recebia circulação de sangue normalmente e, assim, podia cicatrizar lentamente sobre o rosto, sem necrosar.
5) O problema é que, durante a regeneração, o paciente tinha de ficar com o braço “colado” à face, sem movê-lo. Para isso, ele recebia um curioso corselete de couro, com tiras desenhadas sob medida. Passadas duas semanas, Tagliacozzi cortava o pendículo. A essa altura, o enxerto já exalava um cheiro horrível e o paciente mal sentia o braço, que havia atrofiado.
6) O doutor finalizava a napa com sua faca, criava novas ataduras e escorava tudo com talas. Só após mais três meses ele permitia que o paciente se olhasse no espelho. A não ser que a camada de pele tivesse infeccionado (nesse caso, estaria toda preta), o resultado costumava ser satisfatório – o que acabou garantindo uma bela fortuna para Tagliacozzi ao longo dos anos.
ARRANCADO À FORÇA
INGLATERRA - SÉCULO 17
O primeiro método para facilitar o parto, o fórceps, era um perigo para o bebê.
1) Mesmo com o avanço da medicina, demorou séculos até que o nascimento virasse um processo cirúrgico. Antes, a mãe costumava ser acompanhada só por parteiras ou sacerdotisas. Se algo desse errado, quase sempre ela morria com o sofrimento. Na Antiguidade, a barriga da mãe só era cortada se ela falecesse – o bebê podia sair dali vivo ou morto.
2) Até o século 17, a gravidez era assunto exclusivo das mulheres. Foi só então que os médicos começaram a acompanhar a gestação. Ainda assim, era quase impossível determinar o estado e o tamanho do feto ou em qual semana de gravidez a mulher estava. Portanto, o parto ocorria de surpresa. O doutor era chamado às pressas para conduzi-lo, geralmente no quarto da parturiente.
3) Foi para facilitar a observação clínica que as mulheres passaram a dar à luz deitadas – antes, o comum era fazerem-no sentadas ou de cócoras! E o primeiro procedimento para facilitar o parto só surgiu em 1600, com a invenção do fórceps. Criado pelo francês Peter Chamberlen, o utensílio nada mais era que uma tesoura enorme, adaptada para puxar a criança pela cabeça.
4) O fórceps só era usado quando algo impedia a passagem do bebê ou a mãe estava cansada, doente ou com sangramentos. Mas, com frequência, machucava gravemente a criança ou o útero e a bexiga da mãe. “A técnica evoluiu muito pouco desde que foi criada. É útil, mas costuma provocar lacerações na cabeça do bebê”, diz Fidelma O’Mahony, do Hospital Universitário de North Staffordshire, na Inglaterra.
5) Vale lembrar: a mulher passava pela dor do nascimento sem anestesia. Um dos primeiros usos desse recurso foi com a rainha Vitória, da Inglaterra. Em 1853, ela aceitou a sugestão do médico John Snow e deu à luz ao príncipe Leopoldo com a ajuda de uma máscara de tecido embebida com clorofórmio. Ela repetiria a experiência em 1857, quando teve a filha Beatriz.
SANGUE DO SEU SANGUE
Primeira transfusão, também na Inglaterra do século 17, foi entre um homem e um animal
A primeira transfusão de sangue bem-sucedida envolveu um jovem de 15 anos com anemia... e uma ovelha! O garoto só sobreviveu à rejeição ao sangue do bicho porque deve ter recebido uma baixa quantidade dele, já que os tubos e as agulhas usados provocaram muita perda do líquido durante o processo.
O médico responsável, Richard Lower, repetiu o procedimento com um adulto e também foi bem-sucedido. A partir daí, fez várias tentativas, mas a maioria dos pacientes morreu. Em 1670, a técnica foi proibida pelo governo britânico e depois banida pela Igreja. Só voltaria a ser realizada 150 anos depois, com os pacientes humanos lado a lado sobre duas macas.
OSSO DURO DE SERRAR
INGLATERRA - SÉCULO 19
Escocês ultraveloz revolucionou as amputações – mas a operação ainda era hardcore.
1) Desde que existem guerras, existem amputações. Nos campos de batalha, médicos usavam o que tinham às mãos para decepar o membro e salvar o resto do corpo. No século 19, ainda era um dos procedimentos médicos mais comuns em hospitais. Só se tornou mais rápida e segura graças a novas técnicas introduzidas pelo médico escocês Robert Liston.
2) Nas mãos de Liston, a amputação tornou-se uma arte. Tanto que sua sala de cirurgia no University College, de Londres, era um anfiteatro, onde o procedimento podia ser assistido. Ela ficava no fundo do hospital ao lado do necrotério e do cemitério, já que era para lá que iam muitos dos pacientes de cirurgias.
3) Liston foi um dos pioneiros em tentar esterilizar o processo. Em uma época em que os médicos se orgulhavam da quantidade de manchas de sangue no sobretudo, ele usava avental e valorizava a limpeza dos objetos cirúrgicos. Ainda assim, a sala só era varrida uma vez por dia e, para driblar o frio, havia uma lareira, que empesteava o ambiente com fumaça.
4) O paciente tinha os braços e as pernas presos por correias de couro. Quatro pessoas ficavam à disposição para segurá-lo, caso se debatesse de dor (a anestesia ainda dava os primeiros passos e Liston não era adepto). Uma placa de madeira era colocada entre seus dentes. E o membro a ser cortado era preso por um torniquete, inventado pelo francês Jean-Louis Petit no século 18.
5) Com um único golpe, ele cortava a carne até a altura do osso. Aí, fazia duas marcas, nas partes superior e inferior do osso, para apoiar a serra. Enquanto o assistente mantinha o torniquete apertado e puxava a carne, para haver uma “sobra” de músculo e pele, o cirurgião serrava o osso. Tudo isso em cerca de 30 segundos!
6) Sentiu na pele? Calma que não acabou. Para evitar hemorragias fatais, a coagulação do sangue era acelerada com uma cauterização: uma chapa fervendo colocada rapidamente sobre o ferimento. A rebarba de carne era ajustada sobre a área cortada e costurada com uma sutura em forma de U. A taxa de eficiência de Liston era alta: de cada seis pacientes, só um morria!
NAVALHA NA CARNE
Para agilizar, Liston deixava os utensílios bem afiados e na ordem que os utilizaria
- Faca
Com 30 cm e cabo de ébano, usada para abrir a carne até o osso.
- Serra
Muito afiada, para romper o osso da perna ou do braço.
- Fórceps
Extraía pedaços de ossos que ficassem presos na carne após a amputação.
- Esponjas
Usada pelos assistentes para absorver o sangue enquanto o médico operava.
CORAÇÃO GELADO
EUA - 1953
Cirurgias cardíacas sempre foram difíceis. Uma das técnicas era uma verdadeira fria.
1) A cirurgia do coração só evoluiu de fato a partir do final do século 19. Afinal, imagine como era difícil mexer num órgão que bombeia sangue e está sempre encharcado dele, pulsando. O primeiro a operá-lo com sucesso foi o norueguês Axel Cappelen. Em 1895, ele conseguiu ligar uma artéria coronária rompida.
2) Em 1953, nos EUA, surgiu um artifício: resfriar o corpo do paciente a até 28 oC e retirar seu sangue, deixando-o em circulação numa máquina. Para isso, a pessoa era colocada numa banheira de gelo, que diminuía os batimentos. Outra opção era sedá-lo com anestesia e relaxante muscular e cobri-lo com um cobertor com tubos de borracha, pelo qual passava água gelada
3) O sangue circulava por um aparelho inventado pelo norte-americano John H. Gibbon Jr., que fazia o processo de troca de gases em nível celular. Enquanto isso, com o coração sem sangue e quase parado, o médico podia operar. Depois, o líquido voltava a circular e o paciente recuperava a temperatura normal. Esse equipamento de circulação extracorpórea deu origem aos aparelhos de diálise.
Fonte: Mundo Estranho.






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