Embora possamos insultar os outros com gestos e atitudes, o genuíno, o
bom insulto é sempre verbal. Para molestar o ouvinte o máximo possível,
dispomos de palavras humilhantes, que equivalem a projéteis sonoros. É isso que
nos diferencia das outras espécies. Os outros animais só podem manifestar sua
ira e seu repúdio com agressões físicas como o coice e a dentada.
O insulto típico trata de atribuir ao ofendido alguma qualidade
reconhecidamente negativa. Na nossa cultura, as áreas mais exploradas são a
pouca inteligência (burro, lorpa, estúpido, tolo, bocó, coió), a sanidade
mental (louco, maluco, tantã), a prática de atos condenáveis (ladrão,
vigarista, corrupto) e o comportamento sexual tido como censurável (puta,
veado, broxa). Como o insulto reflete as crenças de uma comunidade em um
determinado momento, é natural que de uma região para outra ou de uma época
para outra haja divergências sobre o que é insultuoso.
Da imensa lista de vocábulos que podem ser proferidos com intenção (e
efeito!) insultuosa, destacamos alguns que têm uma história parecida: nasceram
sem malícia, mas terminaram fazendo parte das ofensas mais comuns do nosso
idioma.
Idiota
Quase cinco séculos antes de Cristo, o estadista e general grego
Péricles (495–429 a.C.) classificou de idiotes (de idios: “separado”,
“privado”) os cidadãos que se ocupavam exclusivamente com seus assuntos
particulares e não se envolviam com os problemas de Atenas. A participação nas
decisões coletivas era a essência da democracia ateniense. Os que desertavam
desse dever cívico eram, muito naturalmente, olhados com desprezo e o vocábulo
logo passou a ser usado como insulto. Além de designar os maus cidadãos,
idiotes terminou englobando também a idéia de alienação do mundo concreto e
real. Quando chegou a Roma, que trataria de difundi-lo pela Europa, o termo
“idiota” já estava ligado, como hoje, à ignorância ou à debilidade mental.
Imbecil
No sentido original que tinha no latim, o vocábulo imbecillis
significava “fraco”, “frágil”. A decisão de um juiz, o estado de espírito de um
governante, uma mulher, uma criança pequena, a saúde de um cidadão – tudo isso
poderia ser qualificado de imbecil, nesse sentido primitivo do termo. Até mesmo
a terra estéril, sem força, podia ser imbecil. Pouco a pouco, a partir do
século XVI, a palavra vai-se limitando a indicar a “fraqueza da inteligência”,
embora Molière, em Escola de Mulheres (1662), ainda use o termo com o antigo
significado de fraqueza: “Nada há de mais fraco ou imbecil”, diz ele das
mulheres, e não é à sua inteligência que ele está se referindo, mas à suposta
fragilidade do sexo feminino.
Cretino
Veio de “cristão”. Em certos vales isolados dos Alpes suíços, na Idade
Média, a ausência de iodo na comida fez surgir muitos indivíduos deformados,
com inteligência reduzida, quase anões, mirrados, pálidos e com a pele murcha.
Para que a população os tratasse com compaixão, os padres da região lembravam
que essas infelizes criaturas também eram filhos de Deus, eram “cristãos” – em
francês, chrétien; no dialeto da região, cretin. A partir do século XIX,
tornou-se uma das formas preferidas de insultar a inteligência alheia.
Canalha
O insulto preferido de Nelson Rodrigues veio do italiano canaglia,
literalmente “cachorrada” (de cane, “cão”) e designava, no seu sentido
primitivo, a plebe, a ralé – aquilo que o Quico, do seriado de TV Chaves, chama
de “gentalha”. Hoje o termo perdeu o seu valor coletivo e passou a ser um
insulto individual, tendo adquirido o sentido de “sujeito vil, traiçoeiro, sem
princípios e sem caráter”.
Boçal
Na América Espanhola e no Brasil, assim era chamado o escravo
recém-chegado da África que só falava sua língua nativa. Como não entendia (ou
fingia não entender) o português, era menor o seu valor como mercadoria no
nefando comércio de escravos, já que não podia ser instruído em ofícios ou
atividades mais complexas. Alguns dicionários registram o uso do termo também
com relação a animais não adestrados. Desse sentido inicial passou a ser um dos
insultos mais pesados da nossa língua, significando “ignorante”, “estúpido”.
Besta
Os animais de carga constituem uma fonte abundante de palavras
insultuosas. Para chamar alguém de grosseiro ou ignorante, acrescentando aquele
toque ofensivo indispensável ao bom insulto, servem tanto os genéricos (besta,
quadrúpede, cavalgadura), quanto os mais específicos (asno, burro, mula,
jerico, jumento, cavalo). Se alguns desses vocábulos terminaram perdendo sua
força agressiva pelo uso continuado, nosso idioma deu-nos várias maneiras de
recuperar seu vigor inicial: “besta quadrada”, “pedaço de asno”, “besta
galega”.
Otário
Consta que esse termo nos veio através do lunfardo (a língua da
malandragem de Buenos Aires). É mais um insulto extraído do mundo animal: os
otários são os lobos e os leões-marinhos, primos da morsa, da foca e do
elefante-marinho. Como todos os seus parentes, são animais pouco ágeis,
extremamente lentos, com uma inegável aparência de tolos – daí o seu
aproveitamento como ofensa.
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